segunda-feira, 5 de março de 2012

Em Nome de Thonarr (Parte 3)

- Vai, Kieran, conte de novo – pediu Finn, com um riso nos cantos dos lábios. – Quero lembrar com todos os detalhes de como você foi expulso da estalagem por uma mulher de caçarola em punho.

- Não fui expulso. Ela apenas se recusou a me ouvir – replicou o Mestre de Magia do Pensamento. – Disse que o filho não viria ao Castelo e, quando insisti, deu-me as costas e começou a cozinhar. Foi uma espécie de insulto, é verdade. Mas não foi como você está dizendo.

- Que pena! Teria sido mais divertido – concluiu Finn, piscando para Sophia. Estavam no jardim de ervas, um grande espaço cultivado por trás da Ala Verde, cercados por aprendizes que trabalhavam nos canteiros. Quase todos eram do Segundo Círculo, portanto já treinados no que faziam, mas poucos demonstravam entusiasmo: as Artes da Cura não tinham muitos adeptos no Castelo das Águias. Mesmo assim, os jovens cumpriam aplicadamente suas tarefas, julgando-se observados pelos mestres a pequena distância. Mal sabiam que a conversa há muito os levara para longe dali.

- Insulto ou não, o importante é que temos um rapaz com um Dom promissor – Sophia resumiu a questão. – E cuja mãe, ao que parece, tem medo de qualquer coisa que cheire a Magia.

- Isso apesar do Kieran e de seus incríveis talentos diplomáticos – disse Finn, mas em seguida passou a falar sério. – Esse receio é comum entre as pessoas do povo. Fora das Onze Cidades – e talvez até em algumas delas – nós somos respeitados, mas, infelizmente, continuamos a ser temidos. E isso é ainda pior entre os adeptos desse Deus único.

- O rapaz manifestou sua vontade através do nome de Thonarr – lembrou Kieran. – Tem fé no Herói e não em si próprio. Ele precisa de alguém que o oriente.

- Se quiser ser orientado – disse Finn.

- Mas ele quer - replicou o outro. – Eu vi o brilho nos olhos dele quando falei com a mãe, e como ficou desapontado quando ela não permitiu que me acompanhasse. Pode ser só curiosidade por enquanto, mas o garoto está disposto a saber mais. Pelas regras...

- ... É nosso dever oferecer aprendizado aos que buscam o Caminho – Sophia citou a regra que todos aprendiam ao alcançar a o Terceiro Círculo. – Não sei se é bem esse o caso, Kieran, mas concordo com o que você disse no início. Toda criança que demonstra o Dom inato deve ter a orientação de um mago, e, como os mais próximos, cabe a nós oferecê-la a esse menino. E vamos fazer isso, sem dúvida. Quanto à mãe dele, deixe comigo; não creio que seja tão difícil convencê-la. É só colocar as coisas do jeito certo.

Olhou de esguelha para Kieran, que resmungou alguma coisa por entre os dentes e não respondeu. Tinha consciência de sua brusquidão – direto e seco demais, autoritário algumas vezes – mas suas demandas quase sempre eram atendidas, e ele não sabia o que dera errado com a mãe de Padraig. Tinham sido seus modos ao entrar na cozinha e se dirigir sem rodeios a ela? Ou era o que representava – a Magia, que punha acima de tudo a força do pensamento e ignorava a fé dos Homens em seu Deus?

Fosse como fosse, ele não tivera sucesso, e, embora houvesse relutado em lhes contar a história, sentia-se aliviado com o apoio de Finn e Sophia. Pelos preceitos da Escola e pelos da própria Magia, um jovem nascido com o Dom devia ter uma chance de desenvolvê-lo, portanto eles iriam à estalagem – um casal de embaixadores sorridentes, bem mais hábeis que o antigo Mestre das Águias – e usariam seu poder de persuasão com a mãe de Padraig. Se tudo desse certo, o garoto ingressaria no Primeiro Círculo, um nível ainda muito básico dos estudos, mas nada impedia que um dos mestres de Magia o acompanhasse mais de perto. E como os modos do rapaz não indicassem um temperamento afeito à Magia da Forma, nem um futuro alquimista ou curandeiro, tudo indicava que esse mestre seria Kieran de Scyllix.

A não ser que estivessem diante de um caso raro, muito improvável em se tratando de um garoto sem mescla de sangue élfico.

E, se assim fosse, a vinda de Padraig para a Escola se tornava ainda mais importante.

Parte 4

2 comentários:

  1. É, Ana! Se eu fosse uma maga do Castelo, e tivesse aprendizes incautos, teriam que ser beeem incautos mesmo, daria tudo para ter um discípulo assim como Padraig. Aliás, o próprio nome dele já tem poder!!!

    Excelente está ficando mantendo o suspense... gosto disso, você sabe.
    Beijos,
    Vânia

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  2. Acredito bastante no poder de persuasão de Finn e Sophia e que em breve teremos Padraig no Primeiro Círculo. E adoraria também ver a cara do Kieran quando a mãe do menino dá as costas pra ele, com caçarola na mão e tudo. rs

    Ótimo texto, como sempre, leve, simples e gostoso de se ler.

    Beijos da sobrinha que te adora,
    Ana

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