domingo, 13 de maio de 2012

Em Nome de Thonarr (Epílogo)

- Thonarr! - Sua voz, que não parecia lhe pertencer, os ecos em meio ao trovão. – Este é o templo dos Heróis, e também o seu! Ajude-me, Senhor do Raio! Thonarr!

Gritou mais uma vez e cerrou os maxilares, a avalanche de energia o sacudindo e retesando cada um de seus músculos. Sugado por um vórtex, possuído, trespassado. As palavras eram pequenas para descrever o que sentia. Os raios se sucediam, alguns vindo do céu, outros do martelo que parecia colado às suas mãos. Ele lutou contra o tremor que lhe subia pelas pernas e gemeu, sabendo o que aconteceria se desfalecesse.

Dê-me forças, Thonarr, É só o que peço. Dê-me forças, mantenha-me em pé, ampare este templo que é seu...
Ampare-me...


E de repente a corrente que o arrastava cedeu, e havia duas pessoas junto ao andaime. Uma era um homem alto, com as feições escondidas por um chapéu escorrendo chuva; a outra também parecia masculina, porém menor e mais esguia, e um vislumbre de seu rosto pontudo fez Padraig engolir em seco.

- Loki – murmurou, o fôlego alterado ao pronunciar o nome daquele que os devotos chamavam de Esquerdo. – E... Woden, o Senhor do Vento – concluiu, vendo o bastão que o homem mais alto segurava na mão direita. Como o martelo, ele brilhava envolto em fios de pura energia, porém esta era de um azul sem traços de rubi. Loki também tinha um bastão, do qual a energia se evolava sob a forma de uma névoa alaranjada. Num só movimento, os dois apontaram seus bastões para o piso rachado, protegendo, escorando, sustentando o peso que, por longos e cruciais momentos, repousara apenas sobre Padraig. Ele os fitou incrédulo, depois ao martelo, sem compreender como viera a fazer parte da tríade de Heróis – e foi quando duas mãos pousaram em seus ombros, ao mesmo tempo em que se ouvia uma voz grossa esbravejar.

- O que está fazendo, garoto? Preciso desse martelo!

- Eu... Senhor do Raio... – Padraig começou a balbuciar, mas foi interrompido pelo Preste Drusius.

- Deixe o menino, Adso, ele acabou de fazer um esforço enorme. – Virou-o para si, encarando-o com olhos bondosos e marejados de lágrimas. – E eu não sei bem como... mas nos livrou do desastre.

Padraig abaixou a cabeça, incapaz de responder o que quer que fosse. Adso se aproximou, ainda resmungando, e pegou o martelo como se fosse uma pluma. Outros homens emergiram do corredor, entre eles alguns artesãos, que não levaram mais do que uns instantes para erguer as vigas e escorar o piso. Estranhamente, passavam sem hesitar entre os raios azuis e alaranjados, levando Padraig a se indagar se eram capazes de ver os Heróis.

E quanto a eles próprios, Woden e Loki – será que se mostravam a outros olhos além dos seus?

- Pronto! Por agora está seguro – disse Adso, em cujas mãos o martelo perdera o brilho. – Muito obrigado pela ajuda, mestre.

- Não há de quê – uma voz grave respondeu de sob o chapéu de Woden. Mortificado, Padraig viu a Liz se extinguir nos bastões, e então os Heróis avançaram, tornando-se visíveis à luz da lanterna.

- Gwyll...! – murmurou ele, reconhecendo o meio-elfo de cabelo eriçado. – Então vocês não eram...?

- Woden e Loki? Não. Éramos só nós – disse Kieran de Scyllix, tirando o chapéu e fitando-o com dois olhos brilhantes. – Mas isso não se aplica a Thonarr. Ele, sim, esteve aqui. E agiu através de você para manter este lugar inteiro.

- De mim? – Padraig contemplou as mãos, trêmulas e vazias. – Da minha fé?

- Sim, filho, mas fé nós também temos – disse o Preste, com suavidade. – Você tem algo além disso: uma vontade tão forte que torna real o que é invisível.

- Ou seja: Magia – concluiu o garoto, olhando para Kieran. Este assentiu, sorrindo, e estendeu a mão, mas Padraig se esquivou, seus olhos se voltando para Gwyll com uma espécie de desafio.

- Magia. Sim. Mas Thonarr esteve aqui – disse. – Thonarr, o verdadeiro, o que existe. Não um maldito símbolo.

- É claro – concordou o meio-elfo. – Isso porque você é um devoto. Mas...

- Silêncio, garoto – rosnou Kieran. Seus olhos se encontraram com os do Preste, num entendimento sem palavras, e Padraig pôde ouvir um suspiro escapar de entre os lábios de Drusius.

- Que seja, então. Confio-lhe o menino – disse, mas o sorriso de Kieran o fez acrescentar, em outro tom:

- E pode deixar que me encarrego de falar com a mãe dele.



Poucos dias depois, usando uma tiara de bronze e uma túnica que lhe chegava aos pés descalços, Padraig recebia as boas-vindas no Castelo das Águias. Fora da época, pois o ingresso ao Primeiro Círculo se dava habitualmente no Solstício de Inverno, mas os mestres haviam decidido não esperar, tão diferente era ele de todos os aprendizes. Naturalmente, iria estudar Matemática e Música, as sagas e os segredos da natureza, além das artes e ofícios da Ala Violeta; as tabelas, símbolos e regras da Magia estavam a cargo de uma elfa, Thalia de Erchedel, que levaria pelo menos dois anos para promovê-lo ao próximo Círculo. Desde agora, porém, fora assegurado a Padraig um contato estreito com o Mentor, o único a poder orientá-lo no estudo e na prática da Magia da Alma. Isso o deixou orgulhoso, mas também com um pouco de medo, pois ficaria em posição de destaque aos olhos de toda a Escola. Como recém-chegado, não queria atrair atenções, muito menos a má-vontade dos colegas. Mas Mestre Kieran o sacudira pelo ombro e rosnara que aceitasse a carga que acompanhava seu Dom.

Seu nome acabava de ser pronunciado, o olhar dos mestres convocando-o à sua presença. Ele se adiantou, consciente de que esses eram os primeiros passos numa longa jornada, e estendeu as mãos, sobre as quais o Mentor depositou uma pena e um livro. As páginas eram brancas, assim como a sua túnica: um símbolo da pureza e inocência dos aprendizes. Só mais tarde encontraria as cores que representavam seu poder.

Os dedos de Camdell tocaram o ponto entre suas sobrancelhas. Uma pedra brilhava no anel em seu indicador, um rubi com toques de fogo, pois a cor da Magia da Alma era também a dos devotos. Sim, sua fé estava em boas mãos. Ele ergueu a cabeça, olhando para os olhos do mago, e sentiu que um pacto fora selado, embora nem uma palavra lhes houvesse saído dos lábios.
Para ele, assim como para seu novo mestre, bastava o que tinha sido dito pela voz de Thonarr.

5 comentários:

  1. Excelente conto, meus parabéns pela ótima escrita, como sempre! :)

    Beijos da sobrinha caprina,
    Ana

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  2. Oi,
    Resenhei o seu livro lá no meu blog, espero que você goste :)
    Resenha – Livro – O Castelo das Águias, de Ana Lúcia Merege
    http://escutaessa.blogspot.com.br/2012/05/resenha-livro-o-castelo-das-aguias-de.html

    Beijinhos
    Renata
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    @blogescutaessa

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  3. Foi uma honra receber a sua visita lá no meu blog, obrigada pelo comentário :)
    Beijinhos
    Renata
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