quarta-feira, 11 de julho de 2012

Talismãs (Parte 1: A Nova Mestra de Sagas)


As crianças foram chegando como quem não quer nada. Era uma tarde clara de primavera, e os jardins da Ala Amarela estavam floridos, desprendendo nuvens de pólen que flutuavam no ar. Andi passou entre dois canteiros e espirrou, provocando risos que serviram para aliviar a tensão da expectativa. Ninguém sabia muito bem o que estava por vir.

- De qualquer jeito, aposto que ela vai ser melhor do que o Shanion – Freydis sussurrou ao ouvido de Orm, que caminhava ao seu lado. – Eu sei que ele é um bom Mestre de Sagas, mas não saía daqueles poemas intermináveis. E além disso estava sempre com a mesma cara, como se estivesse morrendo de tédio.

- É, por esse lado acho que será melhor – disse Orm, com os olhos voltados para a moça sentada numa esteira sobre a grama.

Morena, vestida de linho creme e com os cabelos presos numa trança, Anna de Bryke sorria para os aprendizes. Os primeiros a chegar a cumprimentaram e ficaram de pé, sem saber se deviam entrar na sala usada por Shanion. Suas portas estavam abertas às costas da nova mestra. Ela, porém, os convidou a se acomodar ali mesmo, e após hesitar por um instante eles começaram a arrumar as esteiras e almofadas que Anna trouxera para o jardim. Havia livros também, mas estavam fechados; quando os últimos alunos chegaram, apertando-se contra os colegas para ocupar as pontas das esteiras, ficou patente que iriam começar por uma conversa, e que esta seria bem menos formal do que a apresentação feita por Mestra Lara no primeiro encontro.

- Bom, pessoal, já nos conhecemos, mas esta é a primeira vez em que estamos realmente juntos. – A voz era calma, com timbre agradável e um leve sotaque do Norte. – Nestes dias, pensei muito no que ia lhes dizer e em como conduzir nossos encontros. Mas não sabia por onde começar, até que vi o trabalho dos artistas na festa de Primavera... e percebi onde se encontra a alma de tudo.

Freydis ergueu as sobrancelhas e tornou a olhar para Orm. Este encolheu os ombros: também não tinha entendido. Outras crianças se entreolharam, algumas perplexas, outras parecendo perguntar onde aquilo os levaria. Anna percebeu sua inquietude e sorriu, um brilho bem-humorado nos olhos escuros e oblíquos.

- Vamos partir do início. O que é uma saga? Pode responder – disse, dirigindo-se a Arton, o primeiro dos vários que tinham erguido a mão.

- Mestra, uma saga é uma história, pode ser também um poema, que conta os feitos de heróis ou dos nossos antepassados – disse o pequeno elfo. – Algumas são verdadeiras, como a das Onze Cidades. Outras se misturam com lendas e trazem símbolos que temos de analisar para entender. Isso é uma saga, mestra.

- Ótimo. Resumiu muito bem. Mas, partindo daí, quem pode me dizer por que as sagas só falariam de heróis e antepassados? Por que não de nós mesmos e do que acontece aqui e agora?

Um murmúrio se elevou como uma nuvem sobre as crianças. Anna se demorou a observar seus rostos, tão diferentes uns dos outros – queixos pontudos de elfo; bochechas humanas, pálidas ou rosadas; olhos de todos os formatos e matizes – e tão iguais na expressão que faziam ao se concentrar em busca da resposta. Por fim, a meio-elfa Lysia de Ardost se aventurou devagar, como quem pisa em solo desconhecido.

- Sagas são histórias antigas. Têm significado, não são simples como as coisas que acontecem conosco.

- Ah, não? Então o que fazemos não tem significado? – Anna provocou. – Vocês estão aqui hoje, mas um dia serão magos e magas de quem se esperam grandes feitos. Ninguém irá contar a sua história?

- Bom, então sim, mas...

- Eu entendi, mestra! – exclamou Conan, um garoto humano de cabelos castanhos. – As histórias que acontecem conosco podem um dia virar sagas, se ganharmos fama. É isso, não é?

- Mas e se não ganharmos? – A pergunta brotou espontânea dos lábios de Freydis. – Se formos pessoas comuns, dessas que vemos por aí. Nossas histórias não têm significado?

- Claro que não – disse Conan.

- Claro que sim! – contestou o elfo Adrael.

- Eu também acho que sim, mas que isso não é o bastante para se transformar numa saga – opinou Orm. – Sagas têm de ter heróis, batalhas, traição, Magia...

- Mas isso sempre há – disse Anna, sua voz se sobrepondo ao burburinho que começava a surgir entre os aprendizes. – Toda vida contém emoção – batalhas que travamos para nos superar, para conseguir o que queremos – e, de certa forma, toda vida contém Magia. Basta olhar para a Natureza à nossa volta.

- Mestre Rydel diz isso – lembrou Lysia. – O Mentor também.

- E têm razão. Não importa quem a gente seja – afirmou a Mestra de Sagas. – Todos temos nossas histórias e nelas somos os heróis. Quem pode nos contar uma sua?

O burburinho cessou de imediato frente ao desafio. Freydis olhou para Orm, que coçava a cabeça, depois para Andi, cujos olhos arregalados estavam fixos na mestra. Então, voltou-se para Conan e Arton, o humano e o elfo sempre prontos a tagarelar sobre o que quer que fosse. Mas dessa vez nem eles se dispunham a falar.

- Ninguém? Bom, então eu vou começar – disse Anna, cruzando as pernas. – Vou contar uma história que se passou comigo. E pode ser... hum, vejamos...

- O que você está olhando? – sussurrou Freydis, vendo a expressão de Andi como que congelada.

- Os pés dela – articularam, sem som, os lábios do meio-elfo. A menina franziu a testa e acompanhou seu olhar. Só então, com um choque, viu o que ele via: a pele mais escura, de aspecto áspero, em alguns dedos e no peito de um dos pés morenos e descalços de Anna.

- Pare de olhar assim – sussurrou Freydis, embora não tão baixo a ponto de não ser ouvida por Orm na outra metade da esteira.

- Os pés? Já tinha visto. Ela deve tê-los queimado – disse ele.

- Não, não os queimei – disse Ana, gentilmente.

Orm sentiu um abismo se abrir embaixo dele. Andi baixou a cabeça, vermelho até as orelhas, e começou a balbuciar um pedido de desculpas, que a mestra interrompeu com um gesto despreocupado.

- Marcas e cicatrizes fazem parte de quem somos – disse. – Na maioria das vezes, não há por que ter vergonha.

- E como aconteceu, Mestra Anna? – ousou Freydis, sentando-se bem ereta. – Se não queimou os pés, como foi que ficaram assim?

- Boa pergunta – sorriu Anna de Bryke. – E dá uma boa história. Pois bem, prestem atenção, pois eu vou lhes contar... a Saga da Caçadora Ingênua.

Curiosos? Aguardem o próximo post! :)

3 comentários:

  1. MAAAAAAAAISS!!!!

    Já disse que adoro a Anna? Digo de novo!

    Estou muito curiosa, Ana. Espero o próximo capítulo!

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  2. Ana...

    é uma turminha boa essa de mestres de sagas.
    beijos
    vania

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