quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Talismãs (Parte 5: A Saga do Bardo Arrependido)


Entre as campinas e as matas,
Reino de vinhas e cascatas
Que alegram corações,
Ergue-se Kalket, a gloriosa,
A celebrada e tão famosa
Cidade das canções.

É lá que a arte se propaga
Dos bardos e mestres de sagas
Que cantam os Heróis.
Tão orgulhosos de espalhar
Por toda a Ilha de Athelgard
Sua música, sua voz.

Nessa cidade, um Conselheiro
De Casa antiga o nobre herdeiro
Uma esposa tomou.
Com flores recobriu as ruas
E todo o povo por três luas
Com ele festejou.

Para prestar sua homenagem
Um bardo fez longa viagem
Por terra, rio e mar.
Filho dos Elfos e dos Homens
Hyldor, o Belo, era seu nome.
E altivo o seu olhar

Eu tinha apenas nove anos.
Era um menino como tantos,
Com sonhos e ilusões.
Queria a glória e o esplendor.
Queria ser como Hyldor,
O mestre das canções.

Fui então vê-lo assim que pude
Com uma saga e um alaúde,
Mas não quis me escutar.
Só a si mesmo ele aprazia.
Sua própria voz o comovia.
Restava-me calar.

Mas – gesto digno de um nobre
Que atira moedas aos pobres –
Pensou melhor depois.
E me levou feito escudeiro
Até o solar do Conselheiro.
Entramos lá os dois.

Que claro céu! Tantas estrelas
Tornavam a festa ainda mais bela,
Mais belos os casais.
Todos dançavam nos jardins
Entre as roseiras e os jasmins,
Estátuas e portais.

Vendo chegar o bardo Hyldor,
A bela dama e o bom senhor
Com graça o receberam.
Deram-lhe vinho às taças cheias,
Iam ouvi-lo após a ceia,
Assim lhe prometeram.

E ele bebeu, comeu, dançou,
Por toda a noite festejou
Sem ter preocupações.
Enquanto eu, com outras crianças,
Ali ficava a ver as danças
E a ouvir novas canções.

Mas de repente em meus ouvidos
Soou um terrível gemido,
Um grito de assustar:
Ao cortejar uma criada,
Hyldor caíra da sacada,
Quebrara um polegar.

Correu um físico a atendê-lo,
E todo o tempo Hyldor o Belo
Ficou a lamentar.
“Vim de tão longe! Que mau fado!
Com o meu punho assim quebrado
Não poderei cantar!”

Porém Althea, a ilustre barda
Com quem eu tinha aulas de harpa
Logo se fez ouvir.
“Cante, Hyldor, não se preocupe!
E que da música se ocupe
O jovem Andi ap Llyr”.

E – adivinhem? – Eu toquei!
Hyldor cantou e o acompanhei
E todos aplaudiram.
Bardos e artistas nos louvaram,
Os senhores a nós brindaram
E as damas nos sorriram.

Mas o melhor veio no fim,
Ou pelo menos para mim,
Vejam vocês se não:
Arrependido do que fez
Ao me ver da primeira vez,
Hyldor pediu perdão.

Diante de todos os convidados,
Ele, uma lenda, um famoso bardo
Que encanta multidões,
Disse: “Esta noite, eu a devo a Andi!
Ouçam o que digo, ele será grande,
O herdeiro das canções.”

...

Um breve instante de silêncio se seguiu às últimas notas do alaúde. Então, como se todos houvessem combinado, irrompeu uma salva de aplausos, e estes aumentaram à medida em que o rosto de Andi enrubescia mais e mais.

- Bom, foi essa a história – disse ele, baixinho. – E o objeto está aqui. É a palheta que Hyldor me deu e que usei para tocar.

- Uma figura e tanto esse Hyldor! – exclamou Conan, com uma risada. – Ainda bem que se arrependeu. Eu faria o mesmo, se visse como você domina um alaúde.

- É verdade, mas me explique uma coisa, Andi – disse Adrael, estreitando os grandes olhos oblíquos. – Você foi lá falar com o bardo que não conhecia, depois tocou diante dos senhores de Kalket numa festa, sem vergonha nenhuma. Como fez isso, se em geral é tão tímido?

- É mesmo, Andi. Até para tocar aqui você relutou – observou uma das meninas mais velhas. – O que aconteceu para ter mudado tanto?

- Nada! Quer dizer, eu... Bom, passei por algumas coisas – confessou Andi, com o rosto em fogo. – Fiquei mais velho, o Dom se manifestou, então... Ah, mestra, por favor. – Ergueu os olhos aflitos para Anna de Bryke. – Eu fiz minha parte, não fiz?

- Claro que fez, e se saiu muito bem – sorriu a Mestra de Sagas. – Não precisa ir adiante se não quiser ou não estiver preparado. Existe até uma fórmula da escola bárdica para isso, alguém conhece?

Louras e morenas, as cabeças se moveram de um lado para o outro. Anna esperou um instante, criando expectativa, depois falou:

- Se alguém insiste em ouvir mais quando você já chegou onde queria chegar, somos ensinados a concluir: “Esta é uma outra história”. Nada mais.

- Que pena! Queria ouvir o Andi tocar de novo – lamentou Orm, sorrindo com malícia para o amigo. – Quem sabe um outro dia, não é?

- Num outro casamento – disse Freydis, passando o braço pelo ombro de um Andi aliviado, mas ainda vermelho.

E como sempre tinha de falar por último, acrescentou, devolvendo o riso de Orm:

- Mas só se nele for servido o seu incrível pão de fruta.

Para conhecer a história anterior, contada pela Freydis, clique aqui!.

5 comentários:

  1. Um termo para isso: fofo.

    Poeminha e estorinha, uma graça!

    Beijos,
    vania

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  2. Concordo com a Vânia! Ficou muito fofo!

    "Esta é uma outra história" me lembrou A História sem Fim... XD - o narrador fala isso o tempo todo, achei um barato.

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  3. O narrador de "Conan o Bárbaro" também fala. Na verdade, essas "fórmulas" existem mesmo, tanto as de abertura (a mais clássica: "Era uma vez..." quanto as de fechamento (uma brasileira: "Entrou pelo pé do pinto, saiu pelo pé do pato, quem quiser que conte quatro"!)

    Que bom que gostaram do poeminha. Estou pensando em criar um epílogo, mostrando a ocasião em que o Orm fez o pão de fruta e o Andi tocou, mas seria um spoiler do livro 2. O que vocês acham?

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    1. Ah, eu acho que você devia fazer um epílogo sim, Ana... eu pelo menos gostaria muito de ver... e um spoiler de vez em quando não mata ninguém XD

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  4. Oi Ana,

    Concordo com a Astreya. Faça.

    beijos,
    vania

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