sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Promessas da Lua (Epílogo)

Com este conto, passado (ou ao menos encerrado) numa festa, despeço-me de vocês até depois do Carnaval. Estou indo buscar inspiração no Velho Mundo, entre ruínas e castelos, para logo voltar e contar novas histórias. Nesse intervalo, convido-os a dar um passeio pelos textos e imagens do blog.


...

As frutas tinham sido colhidas, e as macieiras e marmeleiros tinham perdido as folhas, permitindo que o luar se infiltrasse entre os galhos mais altos. Kieran se encostou em um tronco e ficou à espera, mantendo a imagem de Alix diante dos olhos para que ela não deixasse de segui-lo. Pouco depois, o frio o levou a meter as mãos nos bolsos, e ali ele encontrou mais uma vez o bilhete de Mael, agora tão amarfanhado que a leitura se tornara quase impossível.

Quanto à Lei da Atração, não sei explicar melhor do que o autor do livro, mas vou dar um exemplo para ajudá-lo a entender. Vamos dizer que você quer uma espada nova e não pode comprá-la. Pela Lei da Atração, se você se imaginar com essa espada, se formar em sua mente um quadro bem claro dela em suas mãos, fica mais fácil vir a possui-la. A Lei funciona para todos de acordo com a força de vontade, e é claro que um mago tem mais chances de ser bem-sucedido - mas, por outro lado, ele corre o risco de interferir no fluxo natural das coisas. É por isso que o livro diz: tenha cuidado com aquilo que você deseja,

- Kieran!

pois um simples capricho pode atrair coisas indesejáveis,

- Kieran!

e, assim, deixar de fora da sua vida aquilo que viria a preencher o verdadeiro anseio do coração.

- Kieran! - chamou de novo a voz, ora próxima, ora distante, trazida pela brisa que agitava os galhos nus das árvores. Confundido pelo som, atingido em sua compreensão pelas palavras de Mael, o rapaz olhou em todas as direções, para as macieiras e a trilha e o chão coberto de folhas secas. Por fim, ergueu os olhos para a Lua; e foi ali, sobre a tela branca que se prestava a todas as pinturas, que ele teve sua última visão.

O passado tinha sido de sombras, mas o futuro era repleto de luz, e as formas que revelava eram majestosas, as torres de um castelo. Num pátio de pedras brilhantes, uma mulher e um menino, com os rostos resplandecentes, corriam ao encontro de um homem que apeava de um cavalo - e quando ambos se atiraram em seus braços, Kieran pôde sentir o impacto, como se fosse ele mesmo o amado e o pai. Uma luz mais forte, azul e dourada e violeta, explodiu diante de seus olhos, e o coração se encheu de um sentimento inteiramente novo, ao mesmo tempo que uma voz tornava a soar em seus ouvidos.

Mas não aquela voz.

- Kieran! Kie-rannnnn!

Era Alix, caminhando entre as pereiras do outro lado do pomar. O rapaz se apertou contra o tronco e não respondeu, esperando que ela não o encontrasse, tanto queria e precisava daquele último instante a sós. O encanto ainda não fora completado, mas em vez de recitá-lo ele voltou às palavras de seu mestre, os olhos estreitos no esforço de entender o que aprendera com a alma.

Pois um simples capricho pode atrair coisas indesejáveis

Capricho, não havia outro nome para o que estava fazendo –

e, assim, deixar de fora da sua vida aquilo que viria a preencher o verdadeiro anseio do

- Kieran! - exclamou Alix, enfim distinguindo seu vulto entre as macieiras.

Radiante, ela correu ao seu encontro, e numa fração de instante ele viu tudo que havia para ver: a bonita filha de um fazendeiro, com pastos e bois para herdar e uma excelente mão para fazer manteiga. Era uma boa moça, sem dúvida; mas não era a mulher que ele queria, como também não queria que tudo se resumisse aos encontros nos montes de feno. Não, o que ele queria era amor, uma família apesar de Fergus, uma esposa com quem partilhar alegrias e dores, todos os dias, a vida inteira, a despeito do que Mael dissera sobre a má sorte dos magos. E se esse amor o esperava no futuro, cabia a ele deixar o caminho aberto, para que um dia pudesse abraçar de verdade aquela mulher e aquela criança.

Era a Lei da Atração. Eram as promessas da Lua.

Ele não ia se contentar com nada menos.

- Que bom que achei você! Foi difícil sair sem que me vissem - disse Alix.

De pé, ela o fitava com olhos cheios de fascínio, que se transformaria em estranheza à medida que o elo entre ambos perdesse a força. Agora, porém, ainda esperava que o rapaz a tomasse nos braços, e para ganhar tempo ele tocou seu rosto, pensando que apesar de tudo teria gostado de se deitar com ela. Era uma pena renunciar a isso, embora, pesando as coisas com calma, ele se descobrisse aliviado por ter mantido seus escrúpulos. Faça o que é certo, dissera a voz na floresta, e era o que ia fazer.

No entanto, não parecia muito certo deixar Alix para o Mão de Ferro.

- Kieran, o que... por que estamos aqui? - Pouco a pouco, o encanto se desfazia, como um pano abandonado no tear. - Por que você pediu que eu viesse encontrá-lo?

- Não é nada demais, Alix. Não tenha medo - disse o rapaz, tentando dar à voz um tom tranqüilizador. - Nós só dançamos, e, depois, viemos olhar a Lua. Você não consegue lembrar?

- Lembro, sim, mas lembro também de pensar - não, lembro de querer que você e eu... Ooh! - exclamou ela, e levou as mãos à boca, como se a simples idéia a horrorizasse. Kieran a pegou pelos ombros, sem violência, mas com firmeza, e ia repetir que estava tudo bem quando, sem se fazer anunciar, Teig ap Donnell surgiu entre as árvores, amassando as folhas de Inverno sob os pés.

- Um recado da Cidadela, Kieran. O Mão de Ferro não vem hoje. Só amanhã é que... Ah... Desculpem, eu não sabia que estavam juntos! - exclamou, e recuou para as sombras, com uma surpresa à qual se mesclavam pudor e uma espécie de revolta. Alix soltou um gritinho e se afastou de Kieran, sem perceber o novo brilho que surgira nos olhos do rapaz. Ali estava sua oportunidade de triunfar sobre Declan, e triunfar com honestidade, valendo-se da percepção e da inteligência. Pois só um tolo não teria notado o que se passava com Teig.

Um mago sabe usar o que tem à mão.

- Não julgue as coisas tão rápido – disse ele, saboreando o efeito das palavras. - Admito que você tinha razão para se preocupar, mas não mais. Alix, eu asseguro, vai voltar à festa tão intocada quanto chegou, e eu vou embora, mas antes disso - acrescentou, olhando para a moça - antes de ir, eu tenho algo importante a dizer.

- É? O quê? - indagou Teig, com raiva. - Que você lamenta por quase ter abusado dela?

- Não. Eu nunca lamento nada, e, de qualquer forma, não costumo falar a meu próprio respeito. Agora, quer me ouvir, Alix?

- Quero - disse a moça, mas em seguida olhou para Teig, como a buscar seu apoio. - Isto é, se não for nada ruim.

- É ótimo - retrucou Kieran, e sua boca se torceu num sorriso. - O que tenho a dizer é que você não precisa se casar com o Mão de Ferro, se ele a pedir. Você pode ter um homem melhor em todos os sentidos. Porque, não sei se percebeu - concluiu, com a mão no ombro do amigo. - Teig ap Donnell está gostando de você.

Uma onda de sangue fez corar o rosto de Teig. Enleado como um menino, ele se voltou para Kieran, querendo, e não conseguindo, protestar contra suas palavras. Pois a verdade – não era preciso usar Magia para perceber - é que gostava mesmo de Alix, e estava pronto a amá-la, para isso bastando saber que ela o preferia a Declan. E que garota, diante de um pretendente tão doce, sequer se lembraria de alguém como o Mão de Ferro?

- Teig... - murmurou Alix, fitando-o com olhos surpresos e já enlevados. – Eu nunca tinha percebido...

O rapaz inclinou a cabeça, seu rubor falando por ele enquanto lhe estendia a mão. Ficaram assim por um longo momento, em silêncio, contemplando os traços um do outro à luz da Lua. Alguma coisa foi dita depois disso, e é possível que mais folhas tenham sido esmagadas, mas, o que quer que tenha acontecido, permaneceu como um segredo entre Alix e Teig. Pois é claro que Kieran não ficou lá para ver.

Horas mais tarde, deitado de costas na relva, ele fitava a Lua, recordando cada visão que tivera naquela noite. Sabia que havia algum tipo de ligação entre eles - a criança na cabana sombria; a mulher e o menino sob as torres - mas estava cansado demais, ou, o que era raro, com o coração apaziguado demais para tentar encontrar algum sentido. Por esta única vez, até que a Lua se fosse, Kieran de Scyllix não ia exigir respostas, mas sim se permitir confiar numa promessa.

Assim, ele esqueceu seus deveres, esqueceu os treinos de armas e os livros de Magia, esqueceu até mesmo que teria de ajudar Teig com o Mão de Ferro, quando este quisesse acertar as contas. Em seus pensamentos só havia lugar para as imagens do futuro. Kieran se concentrou nelas e fechou os olhos, lenta e inexoravelmente, sem ligar ao ruído dos passos que vinham do celeiro.

E, pouco depois, dois rostos divertidos e curiosos se inclinavam sobre ele.

- Não é aquele seu amigo, o aprendiz do Mestre das Águias? - perguntou, apertando os olhos míopes, a loura Caitlin, filha de um meeiro da fazenda. - Você não quer tentar acordá-lo?

- Não! Deixe-o dormir em paz - disse Doron, com uma risada. - Sabe-se lá quanto vinho ele pôs para dentro?

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Leia a parte 4 clicando aqui!

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Espero que tenham gostado. Até breve!

2 comentários:

  1. Oi, Ana!

    Que bom que o Kieran fez a escolha certa. Acho que temos muito a comemorar essa decisão! Até porque ela rendeu frutos!

    beijos, e faça uma excelente viagem.
    vania

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  2. Lindo demais, Ana. Adorei ter lido esse conto depois de ter lido O Castelo. Bom saber que o Kieran soube esperar pela linda promessa feita pela lua - a Anna!

    Beijos e uma ótima viagem!!

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