segunda-feira, 8 de julho de 2013

A Trilha dos Sonhos (Parte 1)



Já passava da sétima hora, mas ainda não havia sinal do jantar. Pelas janelas abertas, a noite se anunciava, embalada por um vento suave que, mais tarde, faria estremecer as próprias torres do castelo. Vento de outono, incerto e intempestivo, portador de tantas tempestades. Seu vento favorito.

Os outros mestres já estavam na sala quando Kieran entrou. Acostumados com seus modos, não ficaram à espera de que os saudasse nem interromperam a conversa. Os únicos sinais de reconhecimento foram um sorriso de Lara e um gesto de Finn convidando-o a sentar ao seu lado. Como se não houvesse ocupado aquele lugar, noite após noite, nos últimos três anos.

- Pensei que estivesse atrasado – disse ele, correndo o dedo pela borda do prato vazio. – Mas parece que a cozinheira está ainda mais.

- Sim, Netta e o marido foram à cidade e demoraram mais que o previsto – informou Sophia, a mestra de Artes da Cura. – Foram visitar alguém e pegar encomendas no porto. Inclusive essa carta, que Camdell está lendo com tanta atenção.

Fez um gesto em direção à outra ponta da mesa. Lá estava o Mentor, reclinado sobre o braço do assento, absorto na leitura não de uma carta, mas de um caderno inteiramente preenchido a tinta vermelha. Não era a primeira vez que algo assim aparecia em sua mão.

- O que são esses livrinhos, Camdell? – A pergunta veio de Urien, mestre de Música e bisbilhoteiro-mor do castelo. – Se não for nada muito pessoal, nem restrito ao círculo dos magos...

- É pessoal – disse o Mentor. – Mas vale a pena partilhá-lo. Esta é uma das cartas que venho recebendo de Anna, uma menina que vive na Floresta dos Teixos. Ela é discípula da Mestra de Sagas, e minha grande amiga, Maryan de Kalket.

Alguns dos mestres – os mais antigos na Escola – murmuraram em assentimento. Kieran ficou em silêncio: para ele, o nome de Maryan não tinha qualquer significado. Foi Lara que o tirou da escuridão. 

- Creio que nunca lhe falei sobre Maryan – disse ela, inclinando-se sobre a mesa para se fazer ouvir. – Fomos da mesma escola bárdica antes que eu me decidisse pelo caminho da Magia. Nessa época, ela começou a se interessar pelos ensinamentos de Odravas, que pregava um modo de vida mais simples, e a planejar sua ida para uma daquelas comunidades de adeptos. Agora, ela vive em Bryke, uma aldeia que eles fundaram junto à Floresta dos Teixos, e ensina as crianças de lá. As de Bryke e as da tribo local.

- E Anna se destaca entre todas – acrescentou Camdell. – Aos quinze anos, conhece mais sobre as sagas do que muitos bardos. Essa é uma das razões que me fazem adorar suas cartas.

- E que outras razões você tem? – perguntou o músico, em tom malicioso. – Ela é bonita?

- Urien! Francamente! – exclamou Shanion, o Mestre de Sagas. Outros professores também franziram o cenho. Camdell, porém, se limitou a sorrir, virando uma folha do caderno para estudá-la com atenção.

- Não sei se Anna é bonita. Não tenho nenhum retrato. Mas ela costuma fazer pequenos desenhos, às vezes de si mesma, para ilustrar as histórias que conta. Aqui, por exemplo – disse, estendendo o caderno para Urien. – Anna está tentando tirar um urso da toca.

- Tentando o quê? – exclamou o professor, com alarme. Pegando o volume, ele o aproximou dos olhos, depois o afastou, mantendo o tempo todo uma expressão incrédula.

- O desenho é só uma garatuja – disse, após alguns instantes. – Não dá para ver como ela é, apenas que usa tranças. E a letra é esquisita. Não é propriamente feia, mas cheia de ângulos, não parece de mulher. Também, caçando ursos!

- É o que as tribos fazem – disse Finn. Sentado à direita de Urien, ele olhava por cima do seu ombro, com uma curiosidade tão patente que o outro acabou por lhe passar o caderno.

- Veja por si mesmo – disse.

Nesse momento, uma empregada entrou com a sopa, e atrás dela veio a cozinheira desculpando-se pelo atraso do jantar. Os professores se moveram em seus lugares, preparando-se para comer, e de repente Kieran se pegou examinando o caderno que Finn deixara sobre a mesa. 

.............

E o que será que ele vai ver? Esperemos...


Siga para a Parte 2!

2 comentários:

  1. Oi, Ana,

    Eu sei, mas não digo nem sob tortura!

    beijos,
    Vânia

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  2. Estou começando a ler agora, mas já de cara você me segurou. Isso daria um bom livro ; )

    Sua escrita é fenomenal. Muito limpa e bem apresentada. Vou logo ler o resto >.<

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