segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

O Beijo de Rudra: conto para a série Tempos de Sangue, de Eduardo Kasse



Pessoas Queridas,

Este blog é dedicado principalmente a Athelgard, mas, com a permissão da Anna e do Kieran, vou noticiar aqui a publicação do meu conto "O Beijo de Rudra", que integra a série "Tempos de Sangue", do meu companheiro de Editora Draco, o Eduardo Massami Kasse.

"Tempos de Sangue" é uma série centrada em personagens que nasceram em diferentes épocas, da Pré-História à Idade Média, e se tornaram imortais por meio de contatos com deuses. Podem ser contatos mais amigáveis ou mais traumáticos, mas acontecem quase sempre num momento em que o personagem humano passava por uma crise - e, claro, fazem com que a vida deles mude para sempre.

Para o quarto livro da série -- O Despertar da Fúria -- o Eduardo fez aparecerem vários imortais que ele já havia apresentado na série Contos do Dragão. Tem um africano, um grego, um japonês, entre outros. Quando ele estava trabalhando nesses contos, surgiu, nem lembro como, a ideia de eu dar uma colaboração para a série, e logo me bateu a ideia: vou fazer um imortal indiano! E vai ser uma mulher!

Estava plantada a semente que, entre vários solos possíveis, acabou ficando com o de Kukkutarma, nome antigo de Mohenjo Daro, uma cidade que alcançou um alto nível de desenvolvimento no Vale do Indo, há cerca de 4.000 anos. Mais tarde, ela foi misteriosamente abandonada, e alguns corpos foram encontrados calcinados de um jeito que lembra um acidente nuclear. E quem, falando em termos de literatura fantástica, poderia ter causado um tal acidente?

Ora... Shiva, é claro. Mas mais antigo que Shiva, uma espécie de antepassado mítico, era Rudra, uma divindade associada aos animais, aos raios e aos trovões. Cheio de ira, mas ao mesmo tempo compassivo (esses são atributos de Shiva), ele era um deus perfeito para contracenar com a tímida, porém corajosa Gauri, a imortal cuja história é contada neste e-book e que reaparece na "Tempos de Sangue" pelas mãos do Eduardo. A história é um pouco sombria, de acordo com o clima da série... mas acho que vocês vão gostar!

*****

Para sinopses e links de compra de "O Beijo de Rudra, clique aqui.

Para conhecer a série vitoriosa de Eduardo Massami Kasse, o link é este.

"Ana, caramba, você escreve bem, mas eu curto histórias mais leves como a do Castelo das Águias..." OK, visite então comigo a mitologia grega no bem-humorado Parceiros no Crime!


quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Primavera Literária 2015


Pessoas Queridas,

Mais uma vez vou participar da Primavera Literária (novo nome da Primavera dos Livros) que rola entre 3 e 6 de dezembro nos jardins do Museu da República, no Rio.

Todos estão convidados a passar no estande da Draco (até onde sei o 24) e aproveitar os preços especiais do catálogo de livros e HQs. E, se quiserem me encontrar, é só programar a visita para sexta das 17 às 19 ou sábado das 15 às 18 h.

Espero vocês!!

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Black Friday da Editora Draco


Pessoas Queridas,

A Draco aderiu à Black Friday! A promoção com ótimos descontos, brindes e sorteios vai até o dia 1 de dezembro. Para conhecer as regras e participar, basta clicar aqui.

Aproveitem!!

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

A Hora dos Guardiões : um prelúdio a "Anna e a Trilha Secreta".

   
     

        O dia ainda não nascera, e a clareira estava em silêncio. Os bichos noturnos tinham voltado às suas tocas e ninhos, e os outros dormiam a sono solto. Era um momento em que a estrela da manhã brilhava à luz da Lua, um momento em que poucos se aventuravam a sair, pois a floresta estava cheia de magia.
        Era a hora dos Guardiões.
        Lobo, como sempre, foi o primeiro a chegar, ainda sorrindo com as brincadeiras dos mais jovens filhotes de sua alcateia. A seguinte foi Lontra, de bigodes arrepiados, carregando um salmão fresco para oferecer aos amigos. Por fim, arrematando um longo voo no qual observara a floresta e todas as mudanças recentes, Corvo pousou sobre a relva da clareira, olhando com um jeito matreiro para os outros dois.
         -- Atrasado como sempre – admitiu, antes que dissessem alguma coisa. – Mas estive na aldeia da Gente-Que-Anda-de-Pé, e por tudo que vi posso afirmar: a menina está pronta. Ela não vai recusar um chamado para percorrer a Trilha Secreta.
         Lontra franziu o focinho, com ar de dúvida. A menina era inteligente e tinha bom coração, mas sempre lhe parecera fechada demais em si mesma. Lobo, porém, estufou o peito para afirmar que também a observara de perto e sabia que ela ia fazer as escolhas certas.
         -- Ela tem muitas lições a aprender, é claro – disse ele. – Tem obstáculos a superar. Mas estou certo de que é capaz. Não acha, Corvo?
          -- Hã? – O Guardião alado ergueu o bico, que tinha mergulhado sem cerimônia no salmão.
          -- Não importa. É quase dia, e em breve chegará a Hora do Aventureiro, por isso não há tempo a perder. Vamos chamá-la?
          Lontra hesitou, mas se deixou convencer ao menos por enquanto. Corvo engoliu o pedaço de peixe que tinha na boca e voou até um galho de teixo, de onde soltou um grito forte, dirigido a alguém de seu próprio povo nas árvores além da clareira. Pouco depois, uma gralha surgiu em meio à luz da madrugada e pousou ao seu lado, inclinando a cabeça em sinal de respeito.
           -- Voe, minha amiga, à aldeia dos Que-Andam-Em-Pé, e acorde uma menina humana – disse o Guardião, em tom decidido. – Quer dizer, quase humana, mas falando assim você não terá como errar. Ela é a única. E está pronta para uma grande aventura!
           Entusiasmada e orgulhosa com seu papel de mensageira, a gralha fez que sim e partiu. Corvo a acompanhou por alguns momentos, depois voltou ao solo, onde se reuniu aos outros dois. Juntos, eles cantaram para conferir suas bênçãos à menina, desejando que ela fosse humilde e corajosa, que se colocasse no lugar dos outros, mas não abrisse mão de ser quem era; que ela enfrentasse os desafios sem se perder em meio à Trilha Secreta, mas, se isso acontecesse, que soubesse usar a mente e o coração para encontrar um novo caminho.
           Cantaram, assim, por um longo tempo, até que a noite se foi e deu lugar a um belo dia de primavera.
          E tão concentrados estavam que nem perceberam, no oco de um velho e rugoso carvalho, o faiscar dos olhos de alguém que tinha ouvido tudo.

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

"Anna e a Trilha Secreta" no Cabuloso Cast



Pessoas Queridas,

"Anna e a Trilha Secreta" foi tema da edição 147 do "Cabuloso Cast". Foram duas horas de programa, entre alguns comunicados do pessoal do Cast, uma entrevista minha com Lucien e a análise dos participantes do meu mais novo filhote literário.

Fiquei muito feliz por eles terem gostado e, principalmente, pela interpretação que fizeram de vários simbolismos contidos no livro. Espero que vocês confiram também e deixem seus comentários. Para isso basta clicar aqui. Ah, só um aviso: o último bloco do programa contém spoilers. Mas eles avisam quando vão começar a dá-los.

Espero que gostem!

domingo, 1 de novembro de 2015

A Fonte Âmbar: um trecho do livro 3!



"Uma imagem vinda de muito longe me preencheu a mente – uma aranha em sua teia, lançando novos fios, tecendo e trançando e avançando até as estrelas – e de repente compreendi melhor as razões para eu estar ali. Não na Torre de Ferro, mas em Scyllix, para falar pelas águias, para propor um uso mais digno da fonte âmbar, para fazer com que uma irmã perdoasse seu irmão..."

Pessoas Queridas,

Tenho feito muito poucas atualizações no blog, porque estou focada na conclusão do próximo livro da saga. Espero logo voltar com os contos e as postagens, mas, por ora, deixei aqui um trechinho do que escrevi por esses dias -- que também ilustra o fato de que, após ter escrito Anna e a Trilha Secreta, eu tenho que segurar a vontade de citar, a todo momento, acontecimentos que estão apenas naquele livro e não nos dois primeiros da série do Castelo das Águias.

Na dúvida, leiam todos... ;)

Um bom novembro pra vocês e até breve! 

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Anna, da Trilha Secreta: Fanart de Laisa Couto



Orgulho define... Eis a homenagem da artista plástica e autora da série Lagoena, Laísa Couto, à Anna de Bryke, tal como ela aparece em "Anna e a Trilha Secreta".




E, abaixo, a imagem ao lado da capa do livro e dos lápis de cor utilizados no trabalho. Laisa, querida, muito obrigada pelo seu carinho!!



quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Anna e Coroa de Flores


Fanart de Atlas Moniz mostrando Anna de Bryke com uma coroa de flores. Foi assim que ela se casou. :)

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Recuerdos da Bienal Rio 2015 (Segundo final de semana)

E aqui vão algumas fotos do segundo final de semana, com a presença de outros escritores, muitos amigos, leitores e futuros leitores de todas as idades! Foi cansativo... Mas valeu muitíssimo a pena.


A grande festa que é sempre o nosso encontro!

Explicando Athelgard. ;)


Autoras fofas e leitoras idem!


Partners in crime. 

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Recuerdos da Bienal Rio 2015 (Primeiro final de semana)


Olá, pessoas queridas!

Finalmente a Bienal acabou e eu posso respirar (um pouco mais) tranquila. Foram duas semanas de mucha lucha, encaradas principalmente pelo nosso editor, mas nas quais eu e outros autores demos o melhor de nós para divulgar os livros e projetos da Draco. Revi amigos, conheci muita gente bacana e parece que Athelgard vai receber uma porção de novos visitantes... Espero que eles gostem, que voltem sempre e que passeiem também aqui pelo blog!

Agora, só algumas das muitas e muitas fotos que servirão para recordar esses dias tão frenéticos quanto maravilhosos... :) E que venham muitas Bienais! Lá estaremos com nossos livros, nosso carinho, nossa fantástica literatura fantástica.

Dois irmãos entrando em Athelgard por vários portais.


Uma amiguinha para trilhar a jornada com Anna!


Ela também!!!


Com o editor e autores da Draco.

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Anna e a Trilha Secreta já em Pré-Venda!!


Pessoas Queridas,

Chegou enfim a grande novidade deste ano de 2015: o meu primeiro livro infantojuvenil no universo de Athelgard!

Enquanto O Castelo das Águias, A Ilha dos Ossos e a maior parte dos contos e novelas deste universo têm como público-alvo os jovens adultos -- alguns contos sendo até mais apropriados para leitores um pouco mais velhos -- "Anna e a Trilha Secreta" foi escrito pensando na faixa etária que fica entre os 10 e os 12 anos de idade. Menos, até, se a leitura foi compartilhada com pais, tios e professores bons de mediação. Sim, porque no final dá um medinho! As cenas são bem ágeis, a linguagem é objetiva (mas que não subestima o leitor!) e o humor, a aventura e o suspense estão presentes na medida certa.

Tenho certeza de que vocês irão gostar, mesmo que já tenham passado bastante dessa idade. E deixo aqui o convite para conhecer a sinopse e, quem sabe, adquirir desde já o livro na pré-venda. Quem estiver no Rio poderá encontrá-lo também no estande da Editora Draco na Bienal, que vai de 03 a 13 de setembro: eu estarei lá nos dois finais de semana para um papo e um autógrafo.

Pensem rápido, saltem no escuro... A aventura está logo ali em frente!

domingo, 26 de julho de 2015

O Voo do Imortal : Fanfic de Gabriel Ferrera


              As sagas inspiram. Mas sob o brilho inebriante do sol que cortava a copa das árvores não restavam dúvidas. Elas nunca haviam inspirado tanto alguém, homem ou Herói, como agora te inspiravam. Teus passos eram desleixados, afobados. Tinhas pressa. Sim, eram aqueles os passos furtivos de um ladrão. Mas os únicos que viriam a perceber o furto estavam no casamento, e para estes já havia um fim planejado, não é mesmo?
              O ar te faltava. E não só pela altitude do terreno,mas também pela altitude do ato. Breve cortarias aqueles céus... Conseguirias tua vingança tão almejada. Qualquer um daqueles tolos chamaria de extremos os teus atos, como já tinham feito antes. Tolos de mente pequena... Tu sempre buscaste a perfeição. Eras melhor que todos eles, por isso eles o rejeitavam. Escória imunda que adorava alunos imbecis como Lear de Madrath...
              Pobre Dellian... Eles te machucaram tanto... Agora todos riam, como bastardos em festa que eram. No começo gostaras tanto do Castelo das Águias... Uma escola mágica de torres coloridas. Aquelas torres nunca foram tão negras para alguém como para ti. Tarefa difícil agradar aos jovens, verdade. Mas sob o frio de pedra daquelas paredes tu sentiste na pele o quanto eles podiam ser cruéis. Dellian, o estranho. Assim foste conhecido e rejeitado; mais do segundo que do primeiro.
              Todo o sonho esperançoso que tiveste com o Castelo derreteu como cinzas em tua boca. Tentaste, verdade. Mas o que fazer quando não se consegue agradar a nenhum dos mestres? Mas guardavas fortemente a memória do dia em que as cores voltaram. Do dia em que o brilho do sol ganhou avidez nos corredores. Do dia em que Anna de Bryke deu sua primeira aula.
              As sagas fluíram aos teus ouvidos e ao teu coração. Daquele momento em diante cada suspiro clamava  por Anna. Mas os outros jovens... Ah... Malditos jovens! Foste motivo de escárnio ainda maior. Lembras ainda? Quando foste chacota: o mascote da Mestra. Cachorrinho de Sagas. Mas tu eras bom com as sagas... Nunca foras bom com qualquer outra coisa ensinada no castelo. Ainda mais se comparado a Vergena ou outros Elfos brilhantes, que eram também alunos brilhantes.
              Lembras ainda do dia em que Anna de Bryke te levantou do pranto e dedicou a ti e a ninguém mais uma saga que jamais esquecerias? O coração pulsava ante aquelas memórias. Os lábios de Anna numa vibração tão doce enquanto enxugava tuas lágrimas. Memórias apenas... Já não era mais assim.
               Mestra Anna fora sempre gentil e tu não te conformavas como podia estar apaixonada por um bruto como Kieran. Suspeitavas de que ele a havia enfeitiçado; bem sabias que ele era capaz disso. Mas as sagas te moviam... Mostraste melhoras no aprendizado das outras áreas, sempre ansiando o momento em que poderias ouvir Mestra Anna contar histórias como só ela sabia... Uma em particular chamou tua atenção. Uma em particular levou o brilho dos teus olhos a arder como uma chama imortal. E era apenas uma história. A história de uma fênix.

***

               Ficaste fascinado com a transformação das águias feita pelos alunos do Terceiro Círculo. Conhecias os encantamentos e as palavras para verter em realidade a história da Mestra Anna. Teu coração palpitava com o simples imaginar de vê-la sorrir ante a ave de fogo, e saber que foras tu o responsável. As primeiras idas à floresta pareceram tão inocentes... As primeiras invocações... Tu conseguiste chamar as águias e controlá-las melhor que qualquer aluno naquele castelo, mas todo experimento tem seus fracassos...
              Na vida há duas formas de morrer: a inevitável e a que escolhemos. A primeira forma é quando nos deixamos levar pela rotina. Matamos sonhos pela "praticidade" e para agradar os outros. A segunda é definir se teremos uma morte lembrada -- pois a vida ali ceifada tem alguma importância -- ou se será apenas mais uma. Tu já morreras da primeira maneira. Estavas decidido a não deixar que a segunda te levasse. Sim, terias teus dias futuros em leito de glória, não de morte. Terias glória.
               Serias imortal.
              A notícia corria os corredores com sussurros que iam entremeados de pavor e curiosidade. O número de águias parecia diminuir. Mestre Kieran tinha suas suspeitas presunçosas e, ainda mais com a tensão da presença do conselho de Scyllix em Vrindavahn, ninguém suspeitaria do pobre Dellian, o estranho aluno fracassado. Mas justo naquela noite foste descuidado... Naquela noite em que estavas tão esperançoso, estavas em contrapartida, tão fadado ao fracasso...
                O êxtase não permitiu que viesses a saber que Kieran estaria na floresta naquela noite... Justo naquela noite em que o encantamento fugiu do planejado e os gritos agonizantes da águia em chamas ecoaram por dentre as árvores como um silvo demoníaco. As chamas dançavam tão rápido quanto batia teu coração. E, em poucos instantes, estava armado o circo. Os alunos, horrorizados, não conseguiram impedir que Kieran te socasse com ódio profundo.
                Quando foste levado de volta ao castelo, sob os urros de Kieran, fora de si, que jurava que te mataria se ousasse pôr os pés na floresta de novo, sob o ódio, sob os olhares de soslaio dos alunos, sob a atmosfera que se erguia abafando o som dos murmúrios e dos urros e de qualquer outro som, tu a viste. Ela, Anna de Bryke, tão bela como sempre. Tão bela como quando no dia em que declaraste teu amor a ela com uma saga de sua autoria... Evento este que deveria ter sido um momento mágico entre os dois e desmoronou como se os céus houvessem caído sobre teus ombros. Assim que terminaste, ouviste os risos de Lear e outros alunos... E ouviste de Anna apenas silêncio. Enquanto corrias dali, contendo a todo custo as lágrimas, deixando as folhas de pergaminho para trás...
                E ali estava Anna. Por um instante o negro daqueles olhos trouxe algum conforto. Isso antes de ela perceber a situação e voltar para ti a expressão do mais profundo nojo... Anna tremia em horror com a carcaça carbonizada da águia no chão, sobre um manto velho. Kieran continuava berrando suas ameaças, agora contido pelos outros mestres. Todos pensaram que ele gritava pelas águias... Mas tu sabias que não; ao menos não somente. Depois do circular de tua declaração, Kieran te tratava como o mais sujo trapo dentre os alunos. Aquela ocasião era somente desculpa para que ele exigisse tua expulsão...
                 Naquele salão frio inundado de sons ininteligíveis, estavas jogado ao chão, envergonhado ante todos. As feridas na face latejavam, mas o que mais doía era a expressão de Anna. Melhor seria ter dela a apatia do que aquele olhar de repúdio... Mas o que veio logo depois tirou o teu chão. Anna de Bryke vinha em tua direção, mas não vinha para ti. Vinha confortar Kieran de Scyllix. Ela, que inspirara todos os teus feitos, agora não abriu a boca para tua defesa.

***

                 Camdell foi compassivo e benevolente, mesmo ao te banir para sempre dos domínios do castelo. Eras um menino... Sem família. Sem terra. Sem nada. Ele te encontrou um lugar, o aprendizado em uma casa de comércio onde poderias ter uma vida digna e um dia seguir uma profissão. Tu, porém, partiste após uns dias, sem avisar a ninguém. Nas ruelas mais imundas da cidade encontraste sustento. E, enquanto prestavas os serviços mais sórdidos nas tavernas sujas, ouviste as notícias. Hillias e a traição do Conselheiro Waclav te interessavam tanto quanto o gosto de sal e cerveja dos marinheiros... A grande notícia era que Anna e Kieran iriam se casar.
                 Teu estômago revirava como se tivesse vida própria. Sentias a cruel punhalada da mais perversa traição. Anna, que tanto te inspirava, se atirava aos braços daquele ogro, agora em casamento. Nada te feria mais mais do que ver a vil felicidade que ostentavam os dois no porto da cidade ao receberem os parentes vindos de Bryke. Mas algo chamou a tua atenção, ou a atenção de tua alma, se é que são coisas distintas. O elfo de cara tatuada. Sabias quem era. Era Zendak, o xamã.
                Uma voz corroía agora teus pensamentos. Uma voz mais tenaz que todas as outras que gritavam durante teu sono. A voz guiava teu olhar para a sacola de talismãs. Sim... Ali havia de estar. O talismã do qual Anna, aquela maldita bastarda, tanto falara. A pluma de uma fênix. Não uma como as outras, mas a pluma de uma fênix perversa que emanava poder assim como fogo. Uma ave de olhos amarelos e consciência negra. Aquela seria a peça final de teus planos. Com ela, tu concretizarias tudo o que sonhaste. Ainda querias ver a expressão de Anna ante tudo. Mas não mais almejavas ver um sorriso rosado naquele rosto. O sorriso brotava no teu rosto ao imaginar, no dela, dor, agonia e sofrimento.
                  Roubar o talismã de Zendak não fora tarefa difícil. O castelo estava quieto e tu entraste e saíste como mais um aluno. A pluma alaranjada com traços enegrecidos borbulhou energia em tuas mãos. Todos estavam ocupados com a cerimônia. Breve tudo se inflamaria ante os olhos deles e os que ainda vivessem depois de tudo chorariam dentre as cinzas.

***

                 Tu vibravas, agora. A águia já ali estava. Já sobressaiam nos teus ouvidos os gritos e as faces agonizantes em impotência. Darias a eles por meio do fogo a oportunidade de sentirem por um momento o que tu sempre sentiste. E quando enfim te compreendessem, seria a última coisa que fariam. Prestaste muita atenção ao ritual. O círculo, as gravações, os dizeres, a águia, a pluma... Tudo perfeito. Dizia a lenda que a fênix a qual pertenceria aquela pluma era controlada por um mago muito poderoso. Por um mago conhecedor da mesma magia da floresta de Zendak, o xamã. Um mago capaz de se transformar em tal criatura.
                Tu terias em breve aquele mesmo poder. Vislumbrarias uma fênix viva. E, com a presença dela, te transformarias também em uma, serias imortal. Terias poder para fazer Kieran engolir o orgulho junto ao fogo. Mas o que viste foi o suficiente para fazer teu coração parar. Lear de Madrath te vira. Dizia, sempre com sua insolência, que havia percebido tua presença. Ele somente, dentre tantos magos. Disse que sabia o que tu pretendias fazer e iria impedir. O primeiro passo de Lear deixou-te sem saída. A pluma frente à águia enquanto os dizeres escorriam de teus lábios. Não haveria tempo para esperar a transformação da ave e depois recorrer à tua. Necessitariam, pela pressa do momento, ser simultâneas. As chamas engoliriam a ti e a ela.
              Tu bailaste na inebriante dança de fogo e fumaça, frutos de tua própria escuridão. A dor chegava a torcer os ossos... Estavas perdido no calor que te consumia. Mas, mesmo em meio àquele fogaréu, sentias ar em teus pulmões. Ar de vida! Era real! Tua fé havia sido recompensada!                                Respiravas fogo e não morrias. Pela primeira vez não te importavas com a dor. Nem mesmo ligavas para as chamas que dissolviam tua pele em meio àquela névoa negra que brotava agora de teu ventre. Era suportável tal dor. Suportável ante o dom que te traria a imortalidade de uma fênix.
Então, como se as eras houvessem já se consumado, as chamas cansaram de consumir-te, de destruir-te, desarraigando-se dos instintos mais profundos da natureza do fogo, que é a destruição, e passaram a recompor-te. Como para uma fênix, o fogo te fazia bem. Entre o restolho de flamas, tu te punhas em pé. Cada parte tua no lugar... O fogo se extinguiu. Mas tua face jazia oculta ante o negrume que brotava dos pés à cabeça. Eras uma chaminé cuspindo um véu negro pútrido e latente.
               Com a diminuição da fumaça, se distinguiam teus dedos muito afilados e tuas pernas, mas ainda nem tua silhueta completa era visível. Parecias uma brasa de carvão insistente em queimar. Mesmo antes dos detalhes de tua pele se sobressaírem, Lear pôde contemplar dois brilhos amarelos inumanos... Nem olhos eram... Mas eram o que tu tinhas mais próximo disto. Se os olhos são as janelas da alma, tua alma era um poço brilhante de perversidade cristalizado na maldade mais oculta numa vereda de loucura.
              A fumaça, agora escassa, permitia a visão de tua expressão doentia sob a pele que mais parecia os restos de uma fogueira moribunda expirando fios de fuligem pela manhã. Tu riste. Não sentias mais dor alguma. E sabias que nunca mais voltarias a sentir. Que nunca mais tua pele tremeria ante o temor de um corte. Tudo girava ao teu redor. Era uma dança. Uma dança da liberdade. Teu novo eu estava enclausurado naquela casca carbonizada. De braços abertos tu dançaste. Surgias das cinzas. As plumas vermelhas e alaranjadas brotavam, quebrando teus braços, impondo tuas majestosas asas. A majestade de uma fênix. Teu espírito renascia das cinzas.
              Ficaste muito feliz em ter aquela plateia em especial. Em ver Lear amedrontado com os resultados do ritual. O jovem fez menção de correr. Tuas garras já haviam brotado, destrinchando teus pés. Lear te deu as costas. Um salto, foi o que deste. Não foi um voo. Foi só o suficiente para cravar tuas garras nas costas de Lear, fazendo os gritos dele ecoarem por toda a floresta, atrapalhando o ápice da cerimônia imunda entre Anna e Kieran. A casca cedeu por completo. Tu te completaste. Tua forma nova fez-se perceber agora por todos os magos, pelo xamã e até mesmo pela criança mais insensível dali.
               Um silêncio só quebrado por teus silvos odiosos pesou sobre todos eles. Os gritos de horror se iniciaram quando tu largaste os pedaços em chamas do cadáver de Lear no meio de todos. A fênix caiu com fogo sobre todos. Tu te sobrepunhas a eles. Ninguém fazia frente a teu fogo. Kieran pereceu bem em frente de Anna. A ela mataste por último, depois de ver a agonia de todos. Nenhuma viva alma saiu dali. Até mesmo o castelo queimou com tua vingança.
              Eles pagaram e tu ascendeste aos céus. Voaste sobre toda aquela escória, humana ou elfa.
              Ou assim pensaste.

***

               Não havia Lear te olhando na floresta... Apenas mais um desígnio meu para te levar a concretizar minha vontade. Em minha bondade permiti que vislumbrasses tua vingança. Não sei definir tua expressão enquanto te debatias entre as chamas... Pena, pobre Dellian, mas tua vida precisaria ser dada pela minha. Tu foste o pagamento. Foste útil. Se ao menos estivesses vivo, deverias te sentir feliz em ter servido a esse propósito.
              Quando teu frágil corpo humano terminou de se debater, sem gritos, eu finalmente pude surgir de entre as cinzas. Em grande majestade até, já que era uma fênix que acabara de dar início aos ciclos. Não tão jovem como uma que reinicia, que renasce, mas também não tão deslumbrante quanto uma em seu apogeu de fogo. Mas haveria tempo para isso... Meus olhos amarelos cintilaram...
               Mestra Anna esteve levemente errada em contar a história sobre o talismã de Zendak. O mago não controlava a fênix; o mago era a fênix. Sua alma jazia selada na pluma e sua mente vagava procurando quem pudesse trazê-lo de volta à vida. Mas estava tão fraco... Estava com Zendak, na aldeia, mas seguiu Anna de Bryke, sabia que ela o levaria a um lugar interessante e ela o fez. No Castelo das Águias o mago pôde encontrar uma mente frágil e arquitetar sua ressurreição. Somente um sacrifício de bom grado poderia trazê-lo de volta. E, por acaso, alguém diria que Dellian não entregou seu corpo às chamas?
                 Eu, feliz por ter enfim conseguido levar a cabo meus planos, abri as asas e alcei voo. Não havia por que interromper aquela cerimônia ou arranjar alvoroço ainda estando tão fraco. Mas eu me fortaleceria... Em poucas luas teria meu poder máximo.
                 Estou de volta. Ressurrecto. Mais forte que nunca. E não há mago vivo em Athelgard que possa me deter.

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Coletânea Semana da Pátria



Pessoas Queridas,

Venho, com muito orgulho, anunciar uma coletânea organizada pelo blog "Sonhos, Imaginação e Fantasia", em parceria com os blogs "Chimeriane", "Ponto de Acumulação" e, é claro, "O Castelo das Águias", além do site "Clube de Autores de Fantasia".

O objetivo é publicar, na Semana da Pátria (dias 7 a 13 de setembro), um e-book contendo contos de fantasia, ficção científica ou terror que sejam ambientados no Brasil, ou em um universo paralelo que faça referência ao Brasil e à cultura brasileira.

O regulamento completo vocês encontram aqui. Sabemos que o tempo é curto, mas o resultado vai ser lindo, portanto... mãos à obra e boa escrita!

sexta-feira, 17 de julho de 2015

Apresentando Yukiko e os Sete Ninjas




Pessoas Queridas,

Hoje começa o segundo final de semana da Anime Friends, e a Editora Draco lá estará com todo o seu catálogo, inclusive Excalibur e os livros de Athelgard. Mas os personagens que eu quero apresentar hoje são muito diferentes: os protagonistas do meu conto na coletânea "Samurais x Ninjas", que está sendo lançada pela Draco no evento, juntamente com "Kaiju" e "Boy´s Love 2".

O conto é uma releitura bem-humorada do conhecido conto de fadas "Branca de Neve" em que os Sete Anões são substituídos por um honrado bando de ninjas: Taro, Oni, Genji, Sakura, Juchin, Kagano e Gyoza. Todos protegem a doce Yukiko da sua malvada madrasta, Madame Tempura, uma envelhecida diva do Kabuki.

Para saber mais sobre o conto, clique aqui. Para encomendar o livro, caso não vá ao Anime Friends, entre em contato com a Editora Draco!

quinta-feira, 9 de julho de 2015

Editora Draco no Anime Friends



Meninas e Meninos (assim diria Mestre Finn),

A Editora Draco participa firme e forte do Anime Friends deste ano. Haverá palestras, autógrafos e lançamentos, inclusive de três livros dos quais eu participei, embora de diferentes formas. Fiz a revisão final de "Kaiju - Monstros Gigantes", a preparação de texto e a revisão de "Boy´s Love 2" e tenho um conto em "Samurais X Ninjas".

Por questões familiares não poderei estar lá, mas quem puder, não deixe de visitar o estande da Draco. O catálogo de livros e HQs estará representado com ótimos descontos!

Confira a programação completa aqui.

Bom divertimento!

sábado, 4 de julho de 2015

Fanart de Aquecer o Coração


Ontem à noite recebi mais uma fanart da querida Isabela Lopes. Compartilho-a, seguida de suas palavras gentis!



Ana Lúcia Merege, brilho das estrelas de Athelgard, das relvas doces e amáveis, das palavras que descem da cachoeira e navegam na misteriosa Ilha dos Ossos, de mente admirável, mãos habilidosas, que nos alimenta com palavras sedentas de Pão e Arte. Emergindo e descobrindo O tesouro dos Mares Gelados, que inspira e compartilha o saber que é o amar.

Não tem como ficar mais feliz com tanto carinho...

Obrigada, Isabela! E obrigada a vocês também, amigos e leitores. Por mais que a gente ame o ofício, às vezes dá vontade de desistir de tudo. E é muito mais fácil ir em frente sabendo que vocês estão aí à espera de ouvir nossas histórias. :)

domingo, 14 de junho de 2015

Maryan, a Mestra de Sagas


Pessoas Queridas,

Retomando as postagens regulares (assim espero!), venho apresentar a mestra da mestra de sagas, Maryan de Bryke, a quem Anna deve o conhecimento da História e das histórias de Athelgard para além de sua floresta.

Maryan estudou para ser uma mestra de sagas e passou por todos os níveis de iniciação numa das duas escolas bárdicas de Kalket. Lá conheceu dois magos que se aprofundavam no conhecimento das sagas: Camdell de Riverast, que mais tarde se tornaria o Mentor da Escola de Artes Mágicas, e Lara de Kalket, que, após uma estadia em Scyllix, trabalharia na mesma Escola como mestra de Magia dos Nomes. Nenhum deles, porém, se interessou por seguir os ensinamentos do sábio Odravas, segundo o qual é preciso deixar as cidades em nome de uma vida mais simples, "na terra e junto aos filhos da terra".

Seguindo esse espírito, Maryan acompanhou um grupo de amigos que iriam se estabelecer na colônia de Bryke, fundada pelos Elfos Brilhantes às margens da Floresta dos Teixos. Logo ela entrou em contato com a tribo local e atraiu a especial atenção do xamã Zendak. Ao mesmo tempo, foi cativada pela curiosidade de Anna, a priminha de Zendak que então tinha quatro anos e que viria a ser sua aprendiz como Mestra de Sagas.

Após uma lenta e cuidadosa aproximação, Zendak e Maryan se casaram, mas cada um manteve sua casa e sua autonomia. Enquanto o xamã cuida da vida espiritual da tribo, Maryan dá aulas às crianças e participa da vida da comunidade de Bryke. O arranjo funciona bem para ambos e resultou em um casal de filhos, Lyris e Kelamon. Todos estão presentes num evento muito importante da vida de Anna, que é narrado no final de "O Castelo das Águias", e espero escrever muitas histórias da família no futuro.

Tomara que vocês gostem!

.....

Para saber como Zendak e Maryan se conheceram, clique aqui.

A ilustração deste post foi feita pela querida e talentosa Carolina Mancini.

sábado, 13 de junho de 2015

quarta-feira, 27 de maio de 2015



Pessoas Queridas,

Nada de pânico!

Até o final da semana (diria que até 30 de maio), em homenagem ao Dia do Orgulho Nerd, meus e-books publicados pela Editora Draco estão quase todos em promoção na Amazon. É só clicar aqui e vocês podem adquirir "O Castelo das Águias" por R$ 9,90, "A Ilha dos Ossos" por R$ 12,40 e os contos por preços que começam em apenas R$ 1,49.

Os outros e-books da editora também estão em promoção, que só não contempla uns poucos lançamentos. Passem lá e confiram, vale a pena!

domingo, 17 de maio de 2015

Parceria com o Projeto Pegaí


Pessoas Queridas,

Quem me acompanha nas redes sociais já deve saber, mas eu não poderia deixar de registrar aqui no blog: por meio de uma parceria entre a Editora Draco e o Projeto Pegaí, um projeto de leitura grátis muito legal que acontece em Ponta Grossa - BR, meu livro "O Tesouro dos Mares Gelados" ganhou uma versão impressa, que está disponível nas estantes do projeto e também foi doada a algumas escolas da cidade.

A história dessa parceria foi contada aqui e em outros jornais, e eu espero que venham outras, pois é uma oportunidade maravilhosa para ver meu trabalho chegar às mãos de milhares de leitores. Essa foi a nossa única contrapartida, minha e da Draco, pois os livros têm venda proibida. A pequena parcela que chegou às nossas mãos será usada para divulgação: alguns exemplares estão indo para resenhistas, outros para escolas e bibliotecas.

Puxa, Ana, mas não dá para eu adquirir um deles? Sim, por algum tempo ainda dá. Basta comprar um livro impresso com minha participação no site da Editora Draco, e, enquanto tivermos exemplares do Tesouro, um deles será enviado como brinde. Para ver a lista de livros que podem ser adquiridos, clique aqui - mas lembre-se, só valem as compras no site da Draco e só os livros impressos!

E se eu quiser ler o livro sem comprar algum outro? Bom, se você não morar em Ponta Grossa nem frequentar as bibliotecas para onde o impresso vai ser doado, terá que ler em E-book. Pode ser pela Amazon, Cultura, Apple... É só conferir as possibilidades no site da Draco.

Dadas as informações, quero, mais uma vez, agradecer ao meu editor, Erick Sama, por sempre acreditar em mim e fazer um trabalho incrível neste livro; ao pessoal da gráfica iPrint, de Ponta Grossa, que viabilizou o projeto; e ao Idomar Cerutti, coordenador do Projeto Pegaí, por me convidar para participar. Nenhum de nós ganhou um centavo sequer com isso, apenas a visibilidade para o meu trabalho e o da editora, além da satisfação que todos partilhamos em ver cada vez mais pessoas com livros na mão.

E, por fim, um convite aos escritores que por acaso me leem. Mandem exemplares de seus livros para o Projeto Pegaí! Eles serão recebidos de braços abertos!

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Anna e Kieran: Amor à Primeira Vista? Leia as Prequels!


Uma das observações mais frequentes dos leitores de "O Castelo das Águias" -- mesmo aqueles que gostaram do livro e dos personagens -- é que o romance entre Anna e Kieran aconteceu muito rápido. Esta semana, foram duas leitoras tocando no ponto (uma por e-mail e outra inbox), e ontem à noite a mesma crítica foi feita pela amiga escritora Kássia Monteiro. Um detalhe: todas três disseram ter adorado o livro, e não apontaram mais nada que as houvesse incomodado.

Diante disso, fiquei com vontade de falar a respeito, não para "dar explicações", mas para, quem sabe, motivar tanto essas três quanto os demais leitores a conhecer as histórias que estão por trás desse "romance estilo The Flash" (segundo as palavras da Kássia). Deixo claro que ninguém, ao ler o livro "O Castelo das Águias", tem obrigação de adivinhar os fatos mencionados em contos deste blog e muito menos os que são claros apenas para mim enquanto escrevo; a quantidade de pessoas que acharam o romance um pouco apressado me faz pensar que essa foi uma falha na estrutura do livro, embora também tenha havido muita gente que achou a atração entre eles perfeitamente natural (coisas do amor à primeira vista, ainda mais vindo da parte da Anna, que tem apenas 19 anos) e que entendeu o fato de terem se comprometido tão rápido como algo normal dentro da sociedade em que eles vivem.

Seja como for, quem de fato leu o livro deve se lembrar do seguinte diálogo, na página 120:

-- Mas nós... nós mal acabamos de nos conhecer! -- repliquei, ainda sem acreditar. -- Não sabemos quase nada um sobre o outro!

-- Sei muito a seu respeito -- replicou o mago. -- Sei que foi por você que eu procurei a vida toda. E sei o que você sente por mim. Então, por que esperar?

Embora eu tenha deixado claro, no livro, que Kieran fez muitas perguntas sobre Anna, e que ela o via frequentemente por perto -- sem contar o fato de que nessa época ele talvez bisbilhotasse os pensamentos dela de vez em quando, como dá a entender em "A Ilha dos Ossos" -- a fala do mago não se refere apenas ao que ele soube e observou durante a estada dela no Castelo das Águias. Isso vem de bem mais longe, o que se explicita através de dois contos publicados aqui no blog. São prequels, em terceira pessoa, com o ponto de vista de Kieran, e lançam uma luz sobre as palavras de seu amigo de infância, Doron, na página 136 de "O Castelo das Águias":

-- Gosto dele como de um irmão. E fico feliz por ele finalmente haver encontrado alguém, como queria desde garoto.

-- Verdade? Há tanto tempo assim?

-- Ah, sim, uns vinte anos.

Para quem ficou interessado, a primeira prequel a que me refiro é "Promessas da Lua", e as postagens têm início aqui. Esse conto também dá acesso ao cenário em que Kieran passou a infância e a adolescência, trazendo personagens como sua irmã, Seril, e seu rival de juventude, Declan, que reaparecerão em "A Fonte Âmbar", terceiro livro da série, previsto para ser publicado em 2016. Para quem acompanha, acho que vale a pena ler.

Um outro conto, mais curto, que mostra ainda mais claramente o laço preexistente entre Kieran e Anna, é A Trilha dos Sonhos. Nele, já estabelecido como um dos mestres do Castelo, Kieran tem acesso à correspondência enviada por Anna para o Mentor Camdell, e isso desperta nele algumas visões e sensações, prontamente identificadas pelo Finn (eleito pelos leitores o personagem mais sonso da série, mais até do que o Urien), mas que o "Carrasco" se recusa a admitir:

-- O mundo está cheio de morenas de tranças. Devo ir atrás de cada uma delas?

Sabemos atrás de qual ele foi e no que isso resultou, embora o romance tenha parecido abrupto para alguns leitores de "O Castelo das Águias". É por isso -- não como justificativa, mas, talvez, como compensação -- que os convido a se aprofundarem um pouco mais neste universo, assim como convido a todos vocês.

Espero que gostem e voltem sempre! :)

sábado, 18 de abril de 2015

Zendak, o Xamã da Floresta dos Teixos


Pessoas Queridas,

Como o livro anunciado aqui não vai tardar, venho falar pra vocês de um personagem que aparece discretamente em "O Castelo das Águias", um pouco mais decisivamente em "A Ilha dos Ossos" e como um dos maiores protagonistas na vida da Anna de Bryke.

Estamos falando do xamã Zendak, primo de Kyara, a avó de Anna, que vive no alto da Árvore-Mãe da Floresta dos Teixos, conhece todas (ou quase) as Trilhas Secretas e tem o poder de se transformar em corvo. Aliás, Vira-Corvo é como o conhecem alguns dos mais ilustres moradores da Floresta, que eu espero apresentar a vocês no livro que vem por aí. E, como era de se esperar, ele pertence à Casa do Corvo, sendo bem provável que sua iniciação e aprendizado tenham incluído alguns passeios bem insólitos na companhia desse esperto Espírito-Guardião.

Zendak é bem mais jovem que sua prima Kyara, mas, ao regressar para junto da tribo com a neta Anna, ela o encontrou já adulto e investido na posição de xamã da tribo. Foi ele que deu a palavra final nas discussões quanto a permitir o estabelecimento de uma vila de seguidores de Odravas junto à floresta, e sempre se mostrou um grande amigo dos colonos. Por fim, casou-se com uma delas, a Mestra de Sagas Maryan, e ambos tiveram um papel crucial na infância e na educação de Anna, como fica claro desde os primeiros capítulos de "O Castelo das Águias". A necessidade de espaço próprio faz com que cada qual mantenha sua própria casa, mas a união é harmônica, baseada em uma profunda tolerância e cumplicidade. Eles são pais de uma menina, Lyris, e de um menino, Kelamon.

Embora esteja quase sempre na floresta, Zendak já fez algumas viagens, inclusive para o Castelo das Águias. Ele se encontra regularmente com outros xamãs, entre as quais a do Clã da Raposa Branca, que ajudou o jovem Thorold e sua tripulação em O Tesouro dos Mares Gelados. Relatos sobre essas reuniões, e também sobre a juventude de Zendak, estão nos planos desta autora para o futuro.

Zendak aparecerá bastante no livro que está por vir, e haverá uma ilustração dele, aposto que vocês vão gostar. A que ilustra este post foi feita pela querida e talentosa Carolina Mancini.

Comentem! Participem! Vamos aumentar o círculo!

quinta-feira, 9 de abril de 2015

IV Odisseia de Literatura Fantástica


No próximo final de semana acontece a IV Odisseia de Literatura Fantástica em Porto Alegre. Vou estar lá no dia 11, no estande da Draco (e também circulando pelo evento) e, embora tenha de sair às 15 h por causa do horário do voo, pretendo dar uma passada rápida no domingo.

Espero rever os amigos queridos, abraçar pessoalmente alguns com quem só tive contato virtual e conhecer pessoas novas. Claro, também autografar alguns exemplares de O Castelo das Águias, A Ilha dos Ossos e Excalibur, que, assim como os demais livros da Draco, vai estar com bons descontos!

Confiram a participação da editora clicando aqui.

E a programação completa do evento está aqui.

Espero vocês lá!

sexta-feira, 3 de abril de 2015

Depois da Invasão (Final)



             A refeição foi preparada nos fogões de Ethel e de mais duas vizinhas. Outras pessoas apareceram, mulheres e crianças de todas as idades e um velho carregando um quarto de porco. Os que se opunham à partilha da comida tinham se fechado em suas próprias casas, e, embora alguém falasse em tirá-los de lá, a maioria concordou que deviam ser deixados em paz.
             - Eles vão vir quando sentirem o cheirinho do assado – disse o velho que trouxera o naco de porco. – Aproveitem bem! Não sabemos quando vamos comer carne outra vez.
              - Algumas pessoas sabem – murmurou Martin, de forma que apenas Kyara ouvisse. Ela o encarou com o cenho franzido, mas não retrucou, porque de alguma forma ele tinha razão. Além disso, não devia falar sobre caçadas, não ali, na frente de pessoas que poderiam delatá-la ao Barão ou a seus homens. Era bem verdade que a tinham apoiado por aquela vez, mas a maior parte ainda a olhava com estranheza, principalmente depois que ela se lavara e trocara de roupa. Ao contrário de Anna, que usava um vestido de Ethel, Kyara tinha optado por trajes mais práticos: um par de calças de lã pertencentes ao Rouxinol, que ficavam só um pouquinho curtas, e uma túnica de Hansel Ferreiro, à qual dobrara as mangas. Isso ocultava as poucas curvas e saliências de seu corpo, de forma que, com o capuz abaixado, ela parecia um rapazinho.
              - É verdade o que o irmão de Ethel disse? – Anna se aproximou, falando em seu ouvido. – Você vai sair para caçar amanhã cedo?
              - Amanhã, não. Hoje de madrugada. Se houver soldados na floresta, vão estar todos juntos e acampados, será mais fácil evitá-los.
              - Posso ficar aqui, não posso? – tornou a filha. – Talvez ir com você fosse mais seguro, mas ainda não consigo andar muito bem.
              - É claro, minha querida. Fique e descanse – disse Kyara, e se inclinou para beijá-la na testa. – Ethel e a mãe dela vão cuidar bem de você. Dentro de um dia ou dois, se tudo estiver tranquilo, volto a passar por aqui.
             Abraçou-a, fechando os olhos para melhor sentir a maciez de sua pele, o aroma de seu cabelo recém-lavado. Tão difícil se separar dela, ainda mais depois de tudo que acontecera, mas era o que devia fazer naquelas circunstâncias. E além disso seria por pouco tempo. Só o necessário para que ela começasse a reconstruir um lar para as duas.
               Naquela noite, quando todos dormiam, ela foi até a cama que a filha dividia com Ethel e a abraçou mais uma vez. Disse-lhe para continuar a ser forte; que tudo voltaria a ser como antes, exceto pela ausência do pai, mas quando olhassem para o céu elas veriam mais uma estrela. Anna desejou que o espírito do Lobo a guiasse na floresta, e assim, munida dessa bênção, Kyara se esgueirou em silêncio para fora do povoado.
               E, momentos depois, percebeu que estava sendo seguida.
            Num movimento rápido, sem dar a entender que ouvira os passos às suas costas, a elfa desviou da trilha, enveredando por uma pequena moita de arbustos. Esperou até que o último dos perseguidores passasse por ela e emergiu das folhagens, apoiando as mãos nos quadris antes de chamar:
                - Ei, vocês! Onde pensam que estão indo?
              O susto foi tão grande que o Coelhinho saltou para trás, quase caindo sobre a lança curta que o Rouxinol empunhava de mau jeito. Os dois respiraram fundo e a fitaram, sem saber o que dizer, enquanto Martin dava um passo à frente.
                - Nós queremos ir também – disse, sem hesitar. – Gunther trouxe a lança que era do pai e pode usar se aparecer algum soldado. Lutwig tem um estilingue.
                - Ouça, Raposa Fulva...
             - E eu sei armar laços e esfolar coelhos e esquilos – prosseguiu o menino. – Nós três podemos ajudar você a caçar. Podemos trazer carne para o povoado. Por favor – implorou, franzindo o rosto. – O que temos de comida não vai durar muito mais.
               Kyara suspirou, erguendo os olhos para a noite à sua volta. Estava calma, e era de se supor que assim também fosse na floresta, onde a chuva devia ter preservado os rastros mais frescos. Fora em noites como esta, há muitos anos, que ela aprendera a caçar, uma criança entre tantas outras da Casa do Lobo, desajeitada, afoita e ansiosa para mostrar seu valor. Esperava passar o mesmo ensinamento à filha, mas Anna jamais fora além das lições mais simples, já que no fundo preferia ser como as moças do povoado. Ainda assim, ela enfrentara com coragem as provações dos últimos dias, e Kyara tinha certeza de que a mesma fibra existia naqueles três.
              No entanto, até a fibra mais resistente pode se romper. A sua quase se rompera, mais de uma vez, ao longo desses tempos de guerra.
                 Ela não podia arriscar a vida das crianças.
               - Escutem, vocês todos. – Ajoelhou-se, ficando da altura deles como se fazia na tribo. – Não posso levá-los para a floresta. Não agora. O que posso fazer, se conseguir, é trazer uma parte da caça para o povoado. Em troca, vocês cuidam de Anna, e talvez possam me arranjar ferramentas e outras coisas. Mas isso enquanto durar a guerra – acrescentou, olhando nos olhos de cada um. – Quando ela acabar, vamos caçar debaixo dos bigodes do Barão. Combinado?
             - Combinado! – exclamou o Coelhinho, vermelho de excitação. O Rouxinol sorriu de leve, fazendo que sim, e empunhou a lança de um jeito marcial. Faltava apenas o Raposa Fulva, e apesar da decepção em seus olhos ele também acabou por se render às evidências.
             - Nós vamos esperar – disse. – Mas você tem de prometer que nos leva assim que acabar a guerra.
              - E vou. Palavra de lobo – replicou Kyara, sem se importar se a entendiam ou não. – Agora, voltem ao povoado e ajudem suas famílias. E tenham cuidado. Vão! – repetiu, quando os garotos já se afastavam. Ainda olharam para trás algumas vezes antes de lhe dar as costas e correr de volta para casa.  
               A elfa os observou até perdê-los de vista, depois respirou fundo e se voltou para a trilha. Uma parte dela sentia muita vontade de deixá-la, de se embrenhar mais fundo na floresta, em busca de pegadas e sinais dos mercenários que haviam invadido sua cabana; mas outra parte replicava, será que ainda havia como alcançá-los? Quanto tempo levaria para isso? E se os alcançasse, e os encontrasse vivos, seria capaz de liquidar a todos e voltar para os que precisavam dela? O que era mais importante? Sua vingança, arriscando-se para antecipar o que o tempo se encarregaria de fazer àqueles homens, devolvendo-lhes o que tinham plantado? Ou a vida que ela e Anna tinham pela frente?
                 Kyara fechou os olhos e buscou imagens da invasão em sua memória. Depois, pensou em si mesma afastando-se dali, deixando aquilo tudo para trás e seguindo adiante. Não que algum dia fosse esquecer, ou mesmo perdoar. Mas sua vida seria melhor se ela a preenchesse com o futuro, e não com o passado e a morte.
                 E o futuro começava ali, naquela trilha. Contornando o lugar em que estavam os mortos, ela passaria pela gruta em que escondia os arcos e flechas, e então caminharia até o rio, onde os animais bebiam no fim da tarde. Seus rastros estariam frescos, e, em meio à quietude da noite, ela não teria dificuldade para chegar até a caça. Uma corrida na floresta, um disparo, talvez um pequeno tropel, e logo haveria carne para Anna e os garotos.
                   E para a gente do povoado, aos poucos aprendendo a viver como uma tribo.
                   E para o Lobo.
                Kyara se deteve, um sorriso nos lábios ao lembrar do espírito-guia. Ainda não agradecera por ajudá-la a ter forças durante a invasão da cabana. Também não tinha como fazer uma oferenda, queimando um pouco de carne ou gordura de modo que a fumaça chegasse aos céus, Uma coisa, no entanto, ela podia dar – e assim, quando retomou a caminhada, a floresta ainda era escura, porém não mais silenciosa.

Lobo, Lobo, mestre dos caminhos,
Ensine-me o que devo saber:
Seguir a trilha dos rastros,
Achar o que procuro,
Tomar apenas o que preciso.
Lobo, Lobo, senhor da floresta,
Acompanhe-me na caçada.

*****

Parte 3

sexta-feira, 27 de março de 2015

Audioresenha e Sorteio de Exemplares - até 26/04/2015



Pessoas queridas,

As lindas Allana Dilene e Fernanda Eggers, do canal Ideia Transitiva, fizeram uma audioresenha muito legal dos dois primeiros livros da série. Ao mesmo tempo, estão sorteando um exemplar de cada livro, autografado por mim e acompanhado de marcador, button e... tcharan... Caderninho temático!

A audioresenha pode ser conferida clicando aqui.

Este é o link do sorteio, que corre até dia 26 de abril no Rafflecopter.

Participem! Compartilhem! Tragam os amigos!

Conto com vocês!

quinta-feira, 19 de março de 2015

Depois da Invasão (Parte 3)

          

         A família de Ethel morava algumas casas adiante, perto do pequeno templo consagrado a Freyr, o Senhor da Colheita. Kyara as acompanhou até lá, seus ouvidos atentos à conversa das pessoas que deixara para trás. Algumas a criticavam, afirmando que não devia ter vindo ao povoado, mas várias outras diziam concordar com seu conselho para os próximos tempos. Entre esses últimos estavam Wilf e sua mulher, e não foi uma surpresa perceber que deixavam o grupo e subiam a rua atrás dela.
          - Vamos com vocês – disse o velho, quando a alcançou. – Nossa casa é perto, e talvez eu tenha uns ovos para repartir.
        - Ainda não agradecemos as galinhas – disse Anna, tentando sorrir: aquilo fora logo após a morte de Raymond. – Eu cuidei bem delas, e estavam dando ovos todos os dias. Mas agora isso acabou.
           - Ninguém mais tem animais – concordou Wilf. – Mas fui ao campo ontem e não estiveram lá. Ainda podemos ter boas colheitas no verão.
            - Se houver braços para isso – disse sua mulher.
      Ethel empurrou a porta, murmurando um pedido de desculpas pela casa. O exterior fora preservado, mas os sinais da invasão eram visíveis lá dentro, embora não houvesse manchas de sangue. Ninguém golpeado na cabeça pelo simples fato de pertencer a uma raça diferente; nenhuma donzela. No fim das contas, até que a família tivera sorte.
          Anna desapareceu assim que entraram, puxada pela amiga para um quarto no interior da casa. Kyara se sentou no único banco intacto enquanto os outros acendiam o fogo e punham água para ferver. Falaram em desenfaixar e, de novo, limpar seu ferimento, mas a ideia foi posta de lado, já que não dispunham de remédios. Então, as mulheres foram colher verduras para um caldo, deixando-a com o velho Wilf, que cruzou os braços e a fitou com o olhar franco.
         - Bem, Kyara, o que vai fazer? – indagou. – Vocês não podem continuar sozinhas naquela cabana. Que tal se ficassem conosco? Em troca de uma ajuda no campo, eu lhes dou abrigo e comida, e até algum dinheiro se conseguir vender uma parte da safra.
           - Obrigada pela oferta, mas não posso aceitar. – Um rangido na porta sublinhou a pausa em sua fala. – Não entendo de colheitas nem do campo. Só da floresta. E é lá que vou estar a partir de amanhã.
         A porta se abriu em meio à última frase. Recortados contra o céu, úmidos da chuva que continuava a cair, estavam três meninos, não exatamente crianças, porém jovens demais para ir à guerra. Kyara conhecia cada um deles e até lhes dera apelidos, mas não sabia seus nomes, nem fazia ideia de quem eram os pais. Não era o que costumava perguntar a quem surpreendia caçando clandestinamente na floresta.
              Nem mesmo quando salvava suas vidas.
              - Dama elfa. Nossos respeitos – disse o menino mais alto, fazendo uma mesura.
           - Fica quieto – rosnou outro garoto, mais robusto e de cabelos claros. – Parece um bobo falando desse jeito.
              - O que vocês querem? – perguntou Kyara, sem muita paciência.
           Os garotos se entreolharam, como se receassem falar. Momentos depois, a mãe de Ethel voltou da horta, trazendo um maço de verduras.
           - Que bom que está aqui! Junte o feno que os malditos espalharam. Hoje temos hóspedes – disse ela ao de cabelos claros.
              - Então ele é seu filho? – indagou a elfa.
             - Sim. Não o conhecia? É o mais novo, Martin. Este é meu sobrinho Lutwig – disse a mulher, pondo a mão no ombro do menor, que Kyara apelidara de Coelhinho por causa dos seus dentes da frente. – E o mais alto é filho dos vizinhos. O nome dele é Gunther, mas todos o chamam de Cotovia, porque está sempre cantando.
            - Eu sei. Mas para mim é Rouxinol e não Cotovia – replicou Kyara. A mãe de Ethel franziu o cenho, sem entender. Foi então que Martin destravou a língua.
          - Lá na floresta. Quando pusemos aqueles laços. – Ele se explicava para as duas ao mesmo tempo. – Eu disse que foi o guarda-caça que nos viu, mas na verdade foi a elfa. E também foi ela que distraiu o Barão naquela vez em que apanhamos a lebre.
          - Ele estava lá nesse dia? Isso vocês não me contaram! – exclamou a mãe, em tom aflito. – Sabíamos que Raymond era um bom homem, no máximo lhes daria um castigo brando, mas o Barão...! Nem gosto de pensar o que ele faria se os pegasse.
             - Ela nos ajudou – disse Martin. – E nos deixou ficar com a lebre, porque já tinha conseguido um cervo.
          - Um cervo? Mas... eu não entendo – balbuciou a mulher. – Está querendo dizer que ela o caçou?
           - Shhh! Ela o caçou, sim – disse, enérgico, o velho Wilf. – Caçava escondido, vez por outra, assim como os garotos. Mas nem você nem ela querem que isso vá parar em certos ouvidos.
             - Claro que não – concordou a mãe de Ethel. – Mas quem diria! Uma mulher caçando cervos!
           - Isso é comum no lugar de onde venho – disse Kyara. – Todos caçam com arcos e lanças. E dividimos tudo – não há ricos e pobres entre nós. É o que eu acho que deviam fazer por aqui.
             - Nós escutamos quando a senhora falou – disse Martin, e se agachou diante dela. – Também a ouvimos dizer que podia viver da floresta, e foi por isso que viemos. Queremos que nos leve junto quando sair para uma caçada.
            - O quê? Ah, não! – exclamou a mãe. – Um laço para pássaros ou lebres é uma coisa, mas cervos? Na floresta do Barão? Esqueçam. É perigoso demais.
           - Concordo que é perigoso, mas por causa da guerra. Não do Barão – disse Kyara, e aproveitou para dizer o que estivera entalado durante anos em sua garganta. – Essa é uma coisa que nunca vou entender. Como é que um homem pode ser dono de uma floresta? E como os outros aceitam que ele diga onde se pode ou não caçar? Eu não concordo.
          - Nem nós! Leva a gente – insistiu Martin. Seus olhos brilharam, refletindo o fogo da lareira. Isso fez Kyara se lembrar de como costumava chamá-lo.
            - Eu queria levar, Raposa Fulva – disse. – Mas com soldados e mercenários por aí, não sei se é uma boa ideia.
         - É melhor que você também não vá – disse a mãe do menino. – Veja o que fizeram no povoado... o que fizeram com nossas filhas. Você não pode correr o risco de topar com eles na floresta.
           - Pelo contrário. Eles nos pegaram porque estávamos dormindo na cabana. – Apertou os lábios, jurando para si mesma não cometer esse erro de novo. - Ela fica à vista de todos, assim como as casas de vocês. Já na floresta, eu tenho como me esconder de modo que ninguém me encontre. E é lá que minhas armas estão também.
           - Então, se é assim – começou Martin, mas foi interrompido pela entrada de um grupo de mulheres. À frente vinha a esposa de Wilf, carregando uma cestinha com quatro ovos; as outras eram gente do povoado, e entre elas estava a que primeiro dera suporte às palavras de Kyara. Vinha de mãos vazias, mas a mulher atrás dela trazia um molho de cenouras, e outra um pão redondo ao qual faltava pouco menos de um terço.
           - Está uma confusão na rua – disse ela. – Querem obrigar a mulher do bailio a repartir a comida que escondeu no porão.
            - Não podem obrigá-la – observou a mãe de Ethel, voltando-se para Kyara. – Não foi o que você sugeriu, foi?
            - Não. E eu nem devia ter dito nada – respondeu a elfa. – É um assunto de vocês e não meu. Afinal, só vou ficar por hoje.
            - Então, por hoje, vamos todos comer juntos – ofereceu a mulher que trouxera o pão. – Nós gostamos do que você disse. Achamos que está certa, por isso fomos pegar o que havia em casa e vamos dividir. Não é muito, mas ninguém vai dormir com fome.
            Kyara concordou com um aceno. Desde que decidira partir, sentia-se distanciar de tudo aquilo, mas era bom saber que as pessoas estavam colaborando umas com as outras.
                Ela lhes fora de alguma ajuda, afinal.

               (Continua)...



Parte 2

Final

domingo, 8 de março de 2015

Depois da Invasão (Parte 2)



A chuva as alcançou um pouco antes de chegarem ao povoado. Pelo caminho, viram os homens de que Anna havia falado, soldados regulares de Siberlint, mortos um ou dois dias antes em seus uniformes verdes. Kyara se agachou para observar a grama pisada ao seu redor. Ou muito se enganava ou as pegadas eram de camponeses.
- Já houve gente por aqui. Pessoas do povoado – disse, mais otimista. – Estão conseguindo ir e vir, o que é um bom sinal. Mas temos que ter cuidado mesmo assim.
Anna assentiu, em silêncio, e continuou a andar. Avançava sem dificuldade, mas às vezes fazia uma pausa, levando a mão ao ventre como se sentisse pontadas de dor. Kyara a amparou, enlaçando-a pela cintura, e foi assim que entraram no povoado.
A visão das primeiras casas bastou para que soubessem o que acontecera. Estavam arrasadas, muito mais que a cabana do guarda-caça, que pelo menos continuava de pé. Ali, no povoado, metade dos tetos fora queimada e várias casas tiveram paredes postas abaixo, revelando o interior sombrio e dilapidado pelo ataque. As galinhas, patos e outras aves domésticas que costumavam ciscar na frente das casas tinham desaparecido, restando apenas um cão, que latiu à aproximação das duas.
- Valha-me Deus! É a elfa com a filha! – bradou uma mulher, aparecendo à porta. Um velho saiu de trás da casa vizinha, seguido por uma moça que carregava um bebê. Logo, três dezenas de pessoas estavam na rua, quase todas mulheres e crianças que fitavam Kyara com um misto de surpresa e temor.
- Ela está machucada – sussurrou uma menina para a mãe. – Os soldados devem ter ido à casa dela.
- Foram mercenários – disse Anna, em voz alta. Conquistou alguns acenos de compreensão, mas isso foi tudo. Ao contrário de Kyara, que após trinta anos ainda era conhecida como “a elfa do Raymond”, a moça costumava acompanhar o pai nas visitas ao povoado, e, embora ele fosse um estrangeiro e ela meio-humana, tinham conseguido fazer algumas amizades. Era de se esperar que essas pessoas, ao menos, lhes estendessem a mão.
A não ser que estivessem em situação ainda pior.
Kyara percorreu o grupo com os olhos apertados. A maior parte das pessoas não estava ferida, mas todos tinham um aspecto lamentável, ali, sob a chuva fina, com as roupas e os cabelos chamuscados e os olhos fundos. As moças e mulheres mais novas estavam cabisbaixas, como se sentissem vergonha. Kyara franziu o cenho ao ver Ethel, a amiga de Anna, com um lábio partido e um hematoma na maçã do rosto, que ela tentava esconder no ombro da mãe. Quando tudo começou, Ethel era uma garota alegre, recém-casada com Hansel Ferreiro. Jovem e forte, ele fora convocado para as tropas do Barão, que marcharam para o Norte a fim de se juntar às de seu suserano, o Jarl de Pengell. Com sorte, podia estar vivo, mas não se achava ali para defender Ethel ou ao menos confortá-la depois que o horror acabasse. Era assim a guerra.
- Eu sinto muito. – Alguns rostos se franziram em surpresa: não se lembravam de ter ouvido a voz da elfa em outra ocasião. – Lamento pelo que aconteceu com vocês e com suas casas. Mas não podem se deixar abater – prosseguiu, sem tomar fôlego. – Há quanto tempo os soldados se foram?
- Há dois dias e meio – respondeu o velho Wilf. Ele fora o melhor camarada de Raymond, um fazendeiro já na casa dos setenta, mas ainda robusto. Por seu intermédio, Kyara soube que o povoado fora arrasado numa única manhã e os de Siberlint haviam ficado com tudo que era de valor. Ao contrário do que ela pensava, porém, não eram eles os mortos do caminho, e sim um segundo grupo, que fora surpreendido pelos homens-de-armas do Barão. Isso ocorrera muitas horas depois da partida dos invasores.
- Então o socorro veio, mas tarde demais – concluiu Kyara. – Eles fizeram alguma coisa por vocês?
- Eles nem tinham vindo nos socorrer. – Wilf torceu os lábios, como se aquilo o enojasse. – Vinham requisitar víveres, como se ainda tivéssemos de sobra. Mas é claro que teria sido preferível enviar o resto do grão e dos animais para o castelo do que perder tudo para aqueles bastardos do Norte.
- E não sobrou mesmo nada? Nenhuma comida? – insistiu Kyara.
Wilf cerrou a boca com força e olhou para sua mulher, que torcia as mãos. Outras pessoas se entreolharam com ar desconfortável, mas ninguém disse nada. Kyara cruzou os braços, impaciente, e ia repetir a pergunta quando finalmente uma mulher falou.
- Algumas famílias conseguiram esconder um pouco de comida. – O tom era seco, quase de desafio. – Quem tem, dá aos filhos. Não a estranhos.
- Nós não somos estranhos – rebateu outra mulher. – E aqui há crianças com fome.
- Quem tinha para onde ir deixou o povoado – disse o velho Wilf. Kyara assentiu, lembrando-se das pegadas que vira no caminho, perto dos soldados mortos. Deviam ser dos aldeões que tinham partido.
- Se o Barão não vai ajudar, nem há como ir embora, é preciso tocar a vida de algum jeito – disse ela, e olhou para a mulher que falara em primeiro lugar. – Você guardou comida e deve repartir com os outros. Vocês também – prosseguiu, erguendo a voz para o grupo. – Antes da guerra, aqui viviam trezentas pessoas, e sei que algumas eram pobres e outras mais abastadas. Agora há pouca gente e todos devem ser iguais. É o que têm a fazer para passar pelos tempos difíceis.
- É mesmo! – apoiou a que falara sobre as crianças. A primeira baixou a cabeça, com as faces vermelhas, enquanto os demais se limitavam a olhar uns para os outros. Kyara respirou fundo e pegou a mão de Anna, preparando-se para partir. Não parecia haver nada para elas no povoado.
- Boa sorte – disse, e começou a dar meia-volta.
- Espere! – exclamou a esposa de Wilf. – Onde vão? Também precisam de ajuda!
- Vocês já têm muitas bocas para alimentar – retrucou a elfa. – Não podem cuidar de mais duas.
- Bobagem! Raymond era guarda-caça do Barão – disse o velho fazendeiro. – Era um dos nossos, e morreu defendendo o castelo. A mulher e a filha dele são bem-vindas.
- Venham para nossa casa – convidou Ethel, timidamente. – Posso emprestar um vestido para Anna. E ainda restam verduras e nabos na horta.
- Você tem certeza? Nós poderíamos nos arranjar na floresta. Na primavera, vive-se bem com o que se tira de lá – disse Kyara, sem perceber o brilho que suas palavras provocaram em três pares de olhos.
- Não, não. Venham conosco – disse a mãe de Ethel. Anna lançou um rápido olhar a Kyara e avançou para o lado da amiga. A elfa hesitou por um momento, depois encolheu os ombros e assentiu. Seria bom, para as moças, estarem juntas e consolarem uma à outra.

(Continua...)

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