quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Vitória no Prêmio Argos 2017

Pessoas Queridas,

Ontem, dia 16, ocorreu a cerimônia de entrega do Prêmio Argos de Ficção Fantástica, promovida pelo Clube de Leitores de Ficção Científica. Foi a eleição com o maior número de votantes e eu fiquei entre os cinco finalistas das três categorias: romance, com A Fonte Âmbar, coletânea, com Medieval (que teve Eduardo Kasse como coorganizador) e conto, com o conto de Medieval, O Grande Livro do Fogo.

Eu até achava que poderia ganhar algum dos dois últimos, pois algumas pessoas me disseram que tinham votado em mim, e acompanhei a prévia. Só não esperava ganhar os Argos de coletânea E de conto, e ainda ficar em terceiro lugar na categoria romance. Foi uma emoção enorme, e eu só tenho a agradecer a todos que me apoiaram, leram, votaram e participaram de alguma forma para que isso fosse possível. Em especial ao Erick Santos, editor da Draco, ao meu parceiro Eduardo Kasse e a todos os demais autores de Medieval.

Com o vencedor da categoria romance, Alexey Dodsworth

O vídeo da cerimônia foi gentilmente disponibilizado pelo Eduardo Torres, do CLFC, e pode ser conferido aqui.

Para conhecer A Fonte Âmbar, ler a sinopse e algumas resenhas e conhecer o universo Athelgard, clique aqui

Para conhecer a coletânea Medieval, sua premissa, seus autores, clique aqui

Ilustração de Vilson Gonçalves para O Grande Livro do Fogo

Para saber um pouco mais sobre o conto vitorioso, seu processo de criação, influências e tudo mais, clique aqui.

No mais... Parabenizo a todos os indicados e deixo meu agradecimento a todos aqueles -- autores, editores, leitores, ilustradores, blogueiros, divulgadores -- que contribuem para o fortalecimento da Literatura Fantástica nacional.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Senhoras e Senhores, La Mariotte!

Pessoas Queridas,

Apresento uma personagem muito importante no arco de histórias dos saltimbancos: Mariotte, a dançarina que compartilha vários momentos da vida de Cyprien.

Como os leitores de O Jogo do Equilíbrio devem ter visto, a jovem dançarina é exigente e pode se mostrar um bocado ciumenta. No entanto, muitas vezes ela demonstrou ser uma boa companheira para o nosso (anti-)herói, e os leitores podem ter certeza de que ainda a verão em muitas de suas histórias.

Espero que vocês entrem na dança!



Ilustração de Mariotte por Angela Takagui.

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Anna, O Castelo e Muitos Outros Livros em Grande Sorteio!

Pessoas Queridas,

O blog Acervo do Leitor fará em breve um grande sorteio de livros de fantasia e terror, entre os quais Anna e a Trilha Secreta e )O Castelo das Águias.

Para saber mais, cliquem aqui. Boa sorte!

domingo, 26 de novembro de 2017

Evento de Fantasia Nacional em Niterói - dia 3 de dezembro

Pessoas Queridas,

Venho convidá-los para este evento de que participo com vários outros escritores brasileiros de Fantasia. Sei que muitos moram longe, mas, se puderem ajudar com a divulgação, ficaremos muito felizes.

E quem for de lá ou de perto -- chega mais. Vai ser muito legal!

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Coletânea "Magos" grátis no Kindle para Samsung



Pessoas Queridas,

Com orgulho e alegria, informo que, este mês, a coletânea "magos", que organizei para a Editora Draco, está grátis para os usuários do Kindle para Samsung. São doze contos de autores de LitFan nacional, que abordam várias formas de Magia e escrevem em diferentes estilos.

Ah! O meu conto traz o Kieran quando mais jovem, estudante na Escola de Magia de Riverast!

Para saber como baixar e ler sobre a coletânea, clique aqui!

domingo, 29 de outubro de 2017

Seril, a Irmã Rabugenta do Kieran

Pessoas queridas,

Hoje o blog do Castelo traz uma personagem muito especial: a Seril, irmã mais velha do Kieran, que apareceu pela primeira vez no conto A Encruzilhada e, depois, foi citada em O Castelo das Águias como alguém com quem seu irmão não estava querendo conversa.


Em A Fonte Âmbar, ambientada em parte na cidade natal de Kieran e Seril, a irmã do mago finalmente aparece em carne e osso. Não é, à primeira vista, alguém muito agradável, mas Anna de Bryke não se deixa intimidar pela cara feia da cunhada, e Seril acaba por revelar um lado (ligeiramente) mais terno, ao mesmo tempo que se torna uma personagem muito importante no decorrer da trama familiar, que corre em paralelo à política. Ela, inclusive, narra um capítulo curto em primeira pessoa... que começa, justamente, falando de suas desconfianças a respeito de Anna.

Eu não queria ver nenhum dos dois. Kieran, por tudo que fez, e Anna porque, uma vez que casou com ele, devia ser farinha do mesmo saco. Nem entendi por que ela se deu ao trabalho de escrever tantas cartas. Era uma perda de tempo, já que eu só li a primeira, aquela em que me convidavam para o casamento. Não respondi, é claro, e achei que ela não ia escrever de novo, mas na Lua seguinte lá estava outra carta de Anna. Li o início, e aí meti o papel de novo no envelope e guardei. Guardei todas as cartas, umas cinco ou seis, que chegaram depois, e a cada vez me perguntava se aquela não seria a última.

O feedback dos meus 3 1/4 de leitores (sim, pois A Fonte Âmbar é um livro muito recente) mostra que Seril, ao lado de Tam (em breve!), se tornou um dos personagens mais queridos da série. Aqui, ela foi retratada com toda a sua rabugice angulosa pela querida Gabrielle Erudessa, e espera por vocês no último livro da Trilogia Athelgard. Bora ler?

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Um Recado para Quem Estiver no Rio de Janeiro!




Pessoas Queridas,

Quem estiver no Rio entre 26 e 29 de outubro não deve deixar de visitar o estande da Draco na Primavera Literária, que este ano mudou de endereço: vai estar na Casa França-Brasil, um lugar ainda mais central, perto do Centro Cultural Banco do Brasil e de vários museus, sem falar na arquitetura carioca que é linda de morrer.

Por nossa vez, estaremos com todo o catálogo de livros e HQs, marcadores, sorrisos e, é claro, muitos e bons descontos!

Apareçam!


segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Projeto Writertoberbr: Os Três Xamãs (7)



    -- Um de nós tem que ir a pé. Com ele – indicou o pequeno unicórnio. – O outro pode voar na frente, para contar a Vivani...
    -- Ou pode voar até os caçadores e despistá-los. Eu acho que consigo – disse Zendak. – Posso fazê-los seguir um rastro que não leve a nada. Ou posso apenas assustá-los, mas isso não é bom. Se virem algo que os deixe com medo, eles vão fugir, mas vão retornar depois, em maior número, mais cegos, mais violentos...
    -- Sim – concordou a elfa mais jovem. – Sim, é isso que acontece. Voe, então, até onde estão esses homens, procure desviá-los do caminho, afastá-los da floresta. Eu irei para lá, acompanhando o pequeno. Você deve ir também, depois que se livrar dos caçadores.
    -- Está certo. – Zendak pôs as mãos sobre os ombros dela, aproximou-se para encostar a testa à testa de Kemi, coberta por uma franja de cabelo repicado. – Que você caminhe em segurança, Kemi dos Penhascos Gelados, e que Coruja a abrigue sob suas asas.
    -- Que Corvo lhe empreste sua astúcia, Zendak da Floresta dos Teixos – Kemi retribuiu. – E que o Grande Espírito envie bons ventos para guiá-lo até o coração da floresta.

***


A linda imagem que ilustra este post é de Francene Hart.

Saiba mais sobre o Zendak  e curta a ilustra do xamã, por Carol Mancini.

Leia uma história em que Kemi se envolve com outras criaturas mágicas clicando aqui.

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Projeto Writertoberbr: Os Três Xamãs (6)


       
        -- Nós temos que tirá-lo desse sonho, Kemi – disse Zendak, com o rosto contraído. – Temos que tirá-lo daqui e levá-lo para junto dos outros. E tem que ser o quanto antes.
       -- Então você viu...?
       -- Vi. São homens. Caçadores, eu acho, mas não caçadores quaisquer; suas intenções vão além disso. Podem estar procurando trolls, mas também podem estar atrás dos próprios unicórnios, embora não me pareça haver algum mago entre eles.
      -- Não é preciso ser mago para ter ouvido falar.
      -- Eu sei.
      -- Nem para deduzir que um potro dourado, vagando pela floresta, é aquilo que procuram, se alguém tiver lhes explicado que o chifre é invisível para a maior parte das pessoas.
     -- Eu sei – Zendak tornou a dizer, e estremeceu, com o que as franjas de couro em sua roupa se agitaram feito penas. – Temo que eles estejam atrás disso mesmo. Vamos chamá-lo, precisamos tirá-lo daqui.
      Kemi assentiu e se ajoelhou diante do animalzinho, correndo suavemente as mãos por sua crina. Um novo canto brotou de seus lábios, baixo, tranquilo, destinado a despertá-lo e a trazê-lo para junto deles, num vínculo de confiança. Tinha que ser assim, precisava criar um elo, ou o unicórnio continuaria a caminhar para o leste, onde estava o menino saltimbanco. Mesmo agora, vendo os olhos negros começarem a se abrir, e vendo sua própria imagem refletida neles, Kemi não tinha certeza de que o faria acompanhá-la. Mas daria o melhor de si para isso.

domingo, 15 de outubro de 2017

Projeto Writertoberbr: Os Três Xamãs (5)



Os olhos de Zendak se desfocaram, permitindo-lhe enxergar dimensões ocultas, invisíveis para um corvo comum. Em todas as florestas havia vibrações sutis, resquícios deixados pelos viajantes, trilhas secretas que levavam ao mundo dos espíritos, mas a Floresta Mágica superava a todas elas. Ele se concentrou, sentindo a energia nas linhas fosforescentes, entrecruzadas, para tentar achar o rastro do pequeno unicórnio. Kemi, enquanto isso, mantinha a visão de coruja, com a qual poderia divisar até mesmo um roedor oculto entre talos de grama. Seus olhos sérios, severos, escrutinaram cada polegada da floresta que ela sobrevoava, lugares onde Vivani poderia ter estado numa viagem de sonho, mas que não visitara nos últimos dias, quando estivera sob a forma de raposa. Por fim, depois de ter se enganado com um filhote de cervo e quase dado um alarme falso, ela vislumbrou a espiral reluzente do chifre – ao mesmo tempo que Zendak, que parecia estar seguindo uma das trilhas ocultas, batia as asas com força e crocitava para chamar sua atenção.
Pelo poder do Grande Espírito do Mundo, tinham chegado antes dos caçadores.
O unicórnio estava dormindo, deitado sobre um lado do corpo, a cabeça apoiada sobre uma pedra chata, pouco acima do chão. Quando os xamãs se aproximaram, ele agitou um pouco as patas, o corpo esguio e dourado estremecendo como se estivesse em meio a um pesadelo. Eles aterrissaram sem ruído, a pouca distância, e esperaram que sua transformação se completasse, voltando a seus corpos de elfo antes de começar a discutir os próximos passos. 

*****

Ilustração: "Dreaming of the Before Times", de Azdra, encontrado em pesquisa na rede.

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Orlando, o Falcoeiro

Pessoas Queridas,

Dou uma pausa nas postagens do Writertoberbr para lhes apresentar um novo personagem. Novo, exatamente, não, porque ele já apareceu em A Ilha dos Ossos, e foi citado numa conversa entre Anna, Kieran e Doron em A Fonte Âmbar: o jovem Orlando, filho do Thane Herrin de Leighdale e de sua esposa Alana, portanto membro da família governante da chamada Terra dos Falcões.


Em A Ilha dos Ossos, Orlando tem apenas oito anos de idade, mas já se percebe que possui o Dom da Magia, possivelmente relacionado às habilidades dos xamãs -- como Anna, ele tem um pinguinho de sangue das tribos das florestas, é muito ligado ao mundo onírico e tudo leva a crer que tem um forte elo com os falcões que sua família adora. Nessa ilustra do Alan Antunes, ele aparece com doze anos de idade, acompanhado por seu falcão preferido (que tem uma particularidade muito especial) e se preparando para viver uma nova aventura... que, se tudo correr bem, resultará num livro infantojuvenil, como Anna e a Trilha Secreta.

Os planos eram de já estar com a escrita a pleno vapor, mas estou muito enrolada com outras coisas. Isso, porém, não significa que não estou trabalhando, reunindo referências, alinhavando ideias, portanto vocês vão ouvir falar bastante do Orlando nos próximos meses.

Espero que gostem de me acompanhar em mais essa jornada!

sábado, 7 de outubro de 2017

Projeto Writertoberbr: Os Três Xamãs (4)

Pessoas Queridas,

Cá estamos com mais um trechinho da história dos Três Xamãs, espero que gostem!

Não sei se já comentei, mas planejo que esse conto seja o terceiro de um projeto semelhante ao Contos Fantásticos de Avós Extraordinários. Só que, nesse caso, o que os contos têm em comum é se passarem em sequência uns aos outros, numa mesma floresta -- os atos dos personagens de cada conto têm consequências para os contos seguintes. É quase um fix-up, vá.

O que acham da ideia?



– Homens costumam temer e odiar o que não conhecem, e a maior parte deles não conhece nada. Mesmo esse mago, que transformou o troll em pedra, pelo jeito é assim. Por que ele fez isso? Com que direito?
-- São perguntas demais, minha amiga. – Vivani partiu com cuidado um pedaço do favo de mel, ofereceu-a à xamã mais jovem. – Por ora, vamos resolver o que é urgente. E é claro que vou tomar cuidado com os caçadores. Se vir algum, ou se pressenti-los por perto, vou me esconder, não deixarei nem que desconfiem da nossa presença. Quanto a vocês, mesmo em suas formas de ave, procurem não chamar atenção. Não são tão atraentes aos olhos dos homens quanto uma raposa – acrescentou, em tom brincalhão --, mas, quando vêm para a floresta com arcos e cães...
-- Sabe-se lá o que estão pensando e onde podem chegar – completou Kemi.
Com essas recomendações, e após terem chamado os vizinhos para aproveitar as sobras da carne – um jovem casal de arminhos muito simpáticos --, os três se separaram. Kemi e Zendak murmuraram um rápido encanto para retomar suas formas aladas e, por algum tempo, ficaram pousados no galho alto de uma árvore, olhos brilhantes e observadores sobre Vivani enquanto ela se afastava pela trilha. Seus passos eram resolutos, mas não muito rápidos. Kemi entortou o pescoço e interpelou o amigo, mas o seu “hu?” dolorido não teve resposta a não ser um encolher de ombros. A nenhum deles cabia interferir na marcha das estações.

***

A imagem que ilustra este post é "Wise Fox", pintura sobre tela de Aimee Stewart. 

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Projeto Writertoberbr : Os Três Xamãs (3)

Oi, Pessoas Queridas,

Aqui vai nossa terceira postagem, com um trecho do que foi escrito esta manhã. Espero que o dia renda mais, quem sabe no universo de Balthazar e Lísias!



          – Acho que devemos encontrar o unicórnio, antes que os caçadores o façam, e devolvê-lo à família. Esse é o primeiro ponto. Se foi criado um elo com o menino, talvez possamos ajudar, talvez não, mas por enquanto o mais importante é mantê-lo a salvo.
          -- Digo o mesmo – falou Kemi. – Mas também precisamos agir em relação aos homens. Eles avançam sobre todas as florestas, em toda a ilha, isso é verdade, e não há muito que se possa fazer, mas... esta não é uma floresta qualquer. É um refúgio, um lugar que nos cabe defender. Depois de o pequeno estar a salvo...
         -- Sim – concordou Vivani, grave. – Depois que ele estiver com a família, poderemos pensar em interferir. Nós viemos aqui tantas vezes, devemos tanto a esta floresta e a seus habitantes... Chegou a hora de nos doarmos também.
         -- Em nome da beleza e da harmonia – disse Zendak.
         -- Em nome do equilíbrio – disse Kemi, e pegou as mãos de ambos, olhando para cada um antes de concluir:
          -- E, se isso exigir sacrifícios, então que seja assim.


*****

Uhhh... Parece que nossos Três Xamãs estão prestes a se meter em confusão por causa do unicórnio... E Kemi é a mais afoita!

Eu não tenho ilustração da xamã coruja das neves. Para este post, usei a bela imagem "Owl Mother", de Antler Thorn, que se baseia no xamanismo celta (já devem ter percebido que o de Athelgard é mais coisa de nativo americano). Já o Zendak ganhou uma ilustração da Carol Mancini, que pode ser conferida aqui.

Até a próxima!

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Projeto Writertoberbr: Os Três Xamãs (2)

Oi, Pessoas,

Eis a nossa segunda postagem no desafio Writertoberbr. Aqui o conto se liga com outro chamado "O Potro Dourado", protagonizado pelo menino Zemel, aprendiz de saltimbanco que já fez muitas piruetas por estas páginas.




        Vivani respirou fundo e assentiu, com uma espécie de culpa. Não era guardiã da Floresta Mágica, menos ainda dos unicórnios, mas poderia ter feito algo para impedir aquilo. Se ao menos houvesse pensado nas consequências!
        -- Ele encontrou um menino que passava pela floresta. – A voz incerta, cheia de dúvida e arrependimento. – Não era um menino comum; eu também o vi e pude sentir. Estava zangado, confuso, machucado, e ainda assim caminhava em beleza. Eu o guiei até o rio, para que ele pudesse matar a sede, e depois disso fui em busca de alguém que pudesse socorrê-lo. Vi o pequeno unicórnio se aproximando do lugar, por uma trilha diferente, mas não pensei... nunca poderia imaginar que ele se acercasse do menino. Menos ainda que o menino, ao vê-lo, pudesse reconhecê-lo pelo que ele é.
      -- Talvez não tenha reconhecido – disse Zendak. – Talvez ele imagine que viu apenas um potrinho.
      -- Não, não. Ele viu o chifre. Ou, se não viu, ao menos o tocou. – A xamã-raposa mantinha os olhos baixos. – Drenou um pouco de energia... não toda, felizmente, pois tinha um ferimento na mão, mas muito leve. O unicórnio está bem. Acontece que, ao se deixar tocar, ele ligou seu espírito ao desse menino, e agora é atraído por ele e pelos seus sonhos. Ele não foi se reunir à família no coração da floresta. Em vez disso, trilha um outro caminho, o mesmo da criança humana, que viaja com parentes rumo ao leste. Eu não duvidaria que o pequeno unicórnio o esteja seguindo... que este elo seja mais forte e duradouro do que seria de se esperar.
    -- O que não é bom – disse Kemi.
    -- O que talvez não seja bom. Ainda não podemos afirmar – ponderou Zendak. – Vivani acaba de dizer que esse menino não era comum. Quem sabe ele nasceu com o Dom da Magia? Quem sabe não é um dos poucos humanos que têm acesso às trilhas secretas?

****

E aí? Mágico ou não?

Se vocês ficaram curiosos sobre o Zemel, podem ler um conto dele bem aqui, e ainda ver a bela ilustra do Vilson Gonçalves.

Se quiserem conhecer uma criança (quase) humana que de fato andou pelas trilhas dos xamãs, conheçam a Anna!

Por fim, se quiserem saber um pouco mais sobre os unicórnios (não que tenhamos seguido exatamente esses simbolismos em Athelgard, visitem a Estante Mágica.

Até a próxima!

(OBS: Imagem de unicórnio do Pinterest. Se alguém souber a autoria, avise que dou os créditos)

domingo, 1 de outubro de 2017

Projeto Writertoberbr : Os Três Xamãs (1)

Pessoas Queridas,

Este mês, em princípio, as postagens aqui no blog serão diárias. É que estou participando de um desafio chamado Writertoberbr: escritores tentam produzir o equivalente a uma página por dia e postam trechos da escrita em seus blogs, plataformas de escrita ou até no próprio Facebook, onde o projeto tem sua página.

A minha escrita vai começar pelo conto "Os Três Xamãs", que está em andamento e do qual falei na última postagem. Hoje foram umas 670 palavras, possivelmente vai ficar em torno disso, mas está saindo a contento. Espero que vocês gostem e acompanhem.

Aqui vai um trechinho do que escrevi hoje:

-- Sintam as vibrações, aqui, neste lugar onde nunca viveu uma tribo da nossa raça. Nós sempre a chamamos de Floresta Mágica, por ser o refúgio dos unicórnios e de tantos seres que habitam o Lado de Lá. Renovamos nossas forças ao nos encontrar aqui, e procuramos não causar nenhum distúrbio. Mas bastou que passassem homens – um mago humano, em especial – e vejam como tudo ficou desalinhado. Eu quase posso tocar as emanações que ele e os outros deixaram aqui.
-- Já existia desequilíbrio, por causa dos trolls. Este não é o lugar deles. – Vivani deu alguns passos até a estátua, fitou a carantonha de dentes arreganhados e nariz grosseiro do qual pendia, eternizada em pedra, uma gota de muco. – Se estão vindo para o sul, é porque alguma coisa os afastou das Terras Geladas, onde costumavam viver.
-- É verdade. Eles também tinham seu refúgio. E, mais uma vez, acho provável que tenham sido homens a perturbá-los. Aquelas guerras, as expedições de comércio dos Jarls, sempre exigindo que construam mais e mais navios. Estão acabando com as florestas do norte, aqueles bárbaros – resmungou Kemi. Era claramente a mais jovem dos três, embora fosse difícil determinar a idade de um elfo adulto; isso se via em seus olhos, em sua atitude, não em quaisquer sinais que o tempo houvesse deixado. Por outro lado, as terras de onde provinha eram as mais inóspitas, e sua gente, conhecida como o Clã da Raposa Branca, era mais dura e determinada que o povo de Vivani ou o de Zendak. Era de se esperar que ela resmungasse. 

E aí? Parece promissor?

Sigam o blog, a página do Castelo e a do Wintertoberbr para irmos interagindo. AH! E se vocês também escrevem, o grupo está aberto a novos participantes, a qualquer momento!

Até amanhã!





domingo, 24 de setembro de 2017

Os Três Xamãs : vamos jogar?

ATUALIZAÇÃO : JÁ TEMOS VENCEDORES.

Eu tive quatro respostas muito legais, mas duas delas foram realmente as mais criativas. Entre essas não tenho como desempatar, porque ficou claro que o Daniel Assunção já tinha lido o que eu planejava para o conto e se ateve a essas informações, criando uma linha sólida para prosseguir, enquanto a Aya Imaeda bagunçou meu universo levando pra lá nada menos que... um kiwi!
Assim, temos dois vencedores, Aya e Daniel. Ambos podem falar comigo inbox para deixar endereços e tudo mais. E muito, muito obrigada aos queridos que participaram e aos que divulgaram e curtiram o desafio.





Pessoas Queridas,

Nestes dias de correria, estou começando um novo conto de Athelgard. E aproveito para fazer uma brincadeira com vocês: que tal sugerir as próximas linhas dessa história? Podem escrever mesmo uma linha ou duas ou dizer como pode continuar, tipo uma sinopse. O mais criativo vai ganhar um exemplar de "Anna e a Trilha Secreta", com dedicatória e marcador. 
Vamos lá?

Os Três Xamãs

O corvo foi o primeiro a chegar. Vinha de uma longa jornada, e a última etapa fora cansativa, por isso ele ficou feliz ao avistar um bom pouso onde descansar as asas. O braço estendido da estátua, aquecido pelo sol que bateu na clareira, o acolheu como um ninho; ele se aconchegou contra o peito de pedra cinzenta e se preparou para o que podia ser uma longa espera.
Ou não.
A sombra da estátua não aumentara em mais que o comprimento de uma asa quando a coruja branca surgiu do bosque ao norte da clareira. Sem um ruído, descreveu uma curva ampla, sobrevoando a estátua, e pousou numa pedra lisa, perto do chão. O corvo esticou o pescoço e crocitou em boas-vindas, mas a coruja não teve tempo sequer de soltar um “hu” antes que surgisse o terceiro membro da companhia: 

(continue aqui, deixando sua sugestão nos comentários).

Resultado no dia 30 de setembro. 

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Encontro com a Maga Hobbit


Espero vocês no estande da Editora Draco.

Pavilhão Verde, Estande N 13.

Sábado o dia todo e domingo até as 14 h. 

quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Draco na Bienal 2017 : Ana Lúcia Merege estará nos dois sábados



Pessoas Queridas,

Hoje começa a Bienal do Livro. Estaremos lá firmes e fortes, com todo o nosso catálogo de livros e HQs, brindes, descontos progressivos e a presença de vários autores, principalmente nos finais de semana.

Eu irei nos dois sábados, o dia todo, e estarei nos dois domingos de manhã, das 10 às 14 h.

Clique aqui para ver quando estarão os demais autores e apareça para um abraço, dois dedos de prosa e boa LitFan nacional!

segunda-feira, 28 de agosto de 2017

"Magos" : nova coletânea da Editora Draco


Pessoas Queridas,

Depois de um longo tempo de preparação, aqui está a mais nova coletânea organizada por mim para a Editora Draco. E ela tem um tema que eu, particularmente adoro: magos, xamãs e feiticeiros!

O livro traz doze contos, de gêneros que variam da fantasia urbana ao weird west, passando, é claro, pela fantasia épica com elfos e unicórnios. E onze autores e autoras maravilhosos embarcaram nessa aventura comigo, cada qual com seu estilo e sua história para contar: Eduardo Kasse, Simone Saueressig, Erick Santos Cardoso, Karen Alvares, Marcelo A. Galvão, Vivianne Fair, Eric Novello, Liège Báccaro Toledo, Charles Krüger, Melissa de Sá e Cirilo S. Lemos.

"Magos : histórias de feiticeiros e mestres do oculto" estará à venda na Bienal e pode ser encomendado em livrarias ou no site da editora. Basta clicar aqui.

Espero que vocês gostem. E, ah! Para quem já conhece e curte o universo Athelgard ou quer conhecê-lo, é lá que se passa o meu conto! E o Kieran, quando estudante em Riverast, é um dos personagens!

domingo, 20 de agosto de 2017

O Espetáculo Não Pode Parar (Parte 2)


Sem entender, obedeci mesmo assim, vestindo uma túnica velha – não o traje de retalhos – e seguindo meu avô para fora da tenda. Não sabia por que ele precisava de mim, mas nunca poderia imaginar que veria o que vi: a carroça menor, que meu pai usava quando tinha que transportar a bigorna, fora carregada com nossas tralhas de malabarista, e o cavalo treinado para os espetáculos estava ali perto. Aquilo não fazia o menor sentido.
-- Por que carregou a carroça? – perguntei. – Eu já disse que não iria à aldeia.
-- Mas eu vou – replicou ele, passando-me as rédeas. – Pode atrelar o cavalo?
-- Sim, mas... o que vai fazer lá? Alguma compra? Por que levar os apetrechos do espetáculo?
-- Que pergunta! Porque vai haver um, é claro – disse Thiers, sem ligar ao meu espanto. – Você não quer, mas eu não posso deixar de fazer minha parte.
-- Você? Mas como vai fazer com essa perna quebrada?
-- Bom, os braços estão inteiros – respondeu o velho. – Posso ficar sentado na carroça e atirar as bolas, como você faz quando chegamos a uma cidade maior.
-- Mas isso é só para chamar o público – argumentei, dizendo o que ele mesmo me ensinara. – Podem até vir, mas vão querer alguma coisa além disso.
-- Farei o que posso fazer – retrucou ele, com firmeza. – Agora, acabe de atrelar e me ajude, preciso subir aí... e que seja rápido, não quero que ninguém me veja sair do acampamento.
-- Mas... – comecei, mas me calei diante do olhar por baixo das sobrancelhas brancas. Atrelei o cavalo e ajudei meu avô a se acomodar, o que não pareceu causar mais dor, mas ele estava muito desajeitado no banco e com as rédeas. Também seria difícil, com aquela perna, pegar o que ele iria precisar na parte de trás da carroça. Ou seja, nem aquele arremedo de espetáculo Thiers poderia fazer se eu não o acompanhasse, e isso foi mais uma das coisas que ele disse sem usar palavras. Bastava ter olhos para ver.
-- Vou com você – murmurei, a contragosto. – Só para ajudar com as tralhas e a carroça.
Meu avô fez que sim e ficou em silêncio. Deixamos o acampamento, com o mínimo de barulho possível, e rumamos para a aldeia, a meia hora de distância ou pouco mais. Havia uma estradinha de terra cruzando campos onde alguns homens já trabalhavam, curvados sobre as espigas de trigo, foices subindo e descendo ao som de uma cantiga. De certa forma, aquilo era bonito, mas eu nunca pensaria em ser fazendeiro, a vida inteira no mesmo lugar, vendo as plantas crescerem para cortá-las e esperar que crescessem de novo. Também não pensava em ser artesão como meu pai, ter qualquer dos ofícios que vira na cidade ou entrar para o serviço de um templo. Não, eu queria ser um saltimbanco, ou pelo menos era o que tinha pensado até agora. Até ver meu avô cair do cavalo e as pessoas rirem enquanto ele estava no chão. Dor e zombaria. Era justo que o espetáculo terminasse assim?
O sol já tinha subido um pouco quando avistamos a aldeia. Meu avô tirou de uma bolsa um naco de pão e outro de queijo e dividiu comigo enquanto a carroça gemia pelo trecho final. Avançamos ao longo da rua tortuosa que devia ser a única do lugar, margeada por casas de madeira com telhados de palha trançada. Duas ou três eram de pedra, e numa dessas funcionava uma taverna, vimos pelos barris do lado de fora da porta. A rua se alargava numa praça onde havia um poço e um pequeno mercado, nada mais que meia dúzia de bancas onde os fazendeiros dos arredores trocavam produtos. Havia mais gente no mercado, crianças brincando na rua, uma velha sentada na frente de casa, e todas essas pessoas olhavam para nós, querendo saber quem éramos e por que estávamos ali.
Nas apresentações que tínhamos feito até então, era nessa hora que eu, usando a roupa de retalhos, fazia um pouco de malabarismo enquanto meu avô chamava o público. Só que dessa vez eu estava usando uma túnica velha, já sem cor nenhuma de tão desbotada, e Thiers não chamou ninguém, só pediu que eu pegasse algumas bolas para ele na tralha atrás da carroça. Peguei as que estavam mais perto, eram bolas de treino, pesadas, feitas de couro costurado e sem pintura. Acho que eu meio que esperava que ele pedisse as bolas de madeira colorida dos espetáculos. Meu avô, porém, não falou nada, só pôs as rédeas no colo e começou o jogo com as bolas, bem devagar, como se não quisesse chamar público nenhum e só estivesse treinando para não perder a prática. Ao mesmo tempo, começou a assoviar, acompanhando a subida e descida das bolas como os camponeses acompanhavam o ritmo das foices, e acho que foi isso, mais do que o malabarismo tão simples e discreto, que chamou a atenção de quem estava mais perto.
Devagarinho, eles foram se chegando. Primeiro as crianças, que se acotovelavam e cochichavam, excitadas, porque nunca deviam ter visto nem mesmo aquilo. Com elas, claro, vieram mães e avós, depois outras mulheres e finalmente alguns homens, esses sim com jeito de estar esperando um espetáculo de verdade. Meu avô estava tranquilo. Com um gesto de cabeça, que eu já conhecia, ele pediu que eu lhe lançasse uma bola, e depois mais outra, e eu não tinha como fazer isso a não ser calculando a trajetória e atirando aquela bola na hora certa, no lugar exato em que ela passaria a fazer parte da ciranda que girava entre as mãos de Thiers.
Foi desse jeito que, sem perceber, acabei entrando no espetáculo. Ou melhor, fui arrastado, porque algumas pessoas murmuraram com admiração, porque eu não queria ver meu avô fracassar e porque Thiers, aquele velho trapaceiro de quem eu gostava tanto, me fez morder a isca e me enrolou direitinho. Ele não tinha chamado o público nem prometido nada grandioso, mas as pessoas estavam ali, e ele me conhecia o bastante para saber que eu não ia cruzar os braços enquanto ele passava vergonha. Não ia deixar de lançar as bolas, nem pegar as que ele desviava para mim, nem ficar sentado deixando que uma delas, atirada muito alto de propósito, se perdesse e acabasse caindo no chão. Quando dei por mim, estava de pé, atrás de meu avô que se sentava na ponta do banco, as cinco bolas girando em minhas mãos para depois voltar às dele, o círculo ampliado, a harmonia. O público aplaudiu, e, pensando que poderia entusiasmá-los ainda mais, mantive os olhos no que estava fazendo e pisei cheio de confiança no ombro de meu avô.
E, no instante seguinte – plaft!
O som diz tudo, não, senhoras e senhores? Serve para o estalo da perna de Thiers, para o som da minha queda dos ombros dele, para o barulho das bolas de couro batendo no banco da carroça. Até hoje, anos passados, não sei o que aconteceu, mas imagino que meu avô tenha se apoiado na perna por uma espécie de instinto, para manter o equilíbrio enquanto eu subia; o osso quebrado cedeu, e a dor repentina o fez se encolher. E com isso eu caí, e foi como acordar com um choque, o mundo de repente virado do avesso; e no instante mesmo em que isso acontecia eu escutei o ooooooh da plateia, de susto e pena e também decepção, como se a gente houvesse deixado de cumprir uma promessa.
E risos. Ah, sim, houve risos, talvez alguns inocentes, gente que achava que o tombo era parte da apresentação, mas outros de deboche, como tinham sido as risadas diante da queda de meu avô. A diferença é que daquela vez ele estava no chão, e o cavalo fugira desembestado, e a multidão em volta me impedia de ver o que tinha acontecido -- ao passo que com o plaft eu despertara e via tudo claro, como nunca antes. Sabia que Thiers estava bem, a não ser pelo medo de ter falhado comigo e de me ver recuar para sempre; sabia que o cavalo estava ali e o que ele podia fazer quando não lhe atiravam pedras; sabia que as pessoas estavam rindo, que algumas eram más e estúpidas e nada do que eu fizesse mudaria isso, mas, acima de tudo, sabia, agora com certeza, que o espetáculo precisava ir em frente. Mesmo aos trancos e barrancos, a vida precisava ir em frente. E, nos dois casos, eu tinha de agir antes que fosse tarde demais.
-- Muita calma, senhoras e senhores! Foi só um pequeno acidente! – exclamei, passando ao dorso do cavalo, sem descer da carroça; isso já causou alguma impressão, e eu aproveitei para continuar. – Meu avô, Thiers de Pwilrie, está machucado e não pode atuar, mas ele me ensinou duas ou três coisas que vou mostrar a vocês. O senhor, aqui na frente -- acenei para um homem novo e forte, que parecia ser boa gente, porque não tinha rido e segurava uma garotinha pela mão --, pode soltar os varais da carroça? E vocês, não vão embora! Fiquem um pouco mais!
-- Isso mesmo, fiquem! – Era meu avô, sua voz forte suplantando a dor que devia estar sentindo. – Fiquem e vejam o que um cavalo bem treinado pode fazer... O espetáculo mal começou!
E, a não ser por duas ou três pessoas, todos ficaram. E, sim, tivemos espetáculo. Não tão bom quanto aqueles que fazíamos antes -- não era muito o que eu tinha para mostrar --, mas fiz o melhor que pude, e meu avô me incentivou, e todos aplaudiram vendo-me girar na sela, soltar as rédeas e me equilibrar de pé enquanto o cavalo galopava em círculos. A carroça ficou no meio, e Thiers voltou a fazer malabarismo, e, quando eu tinha feito tudo que sabia, nós tornamos a atirar as bolas em dupla. O público riu bastante, dessa vez um riso bom, quando foi o cavalo que segurou o chapéu entre os dentes para pedir contribuições. Riram ainda mais quando um sujeito se negou, e o animal bufou pelas narinas, pois não sabiam que eu havia tocado suas costelas com o calcanhar. O chapéu acabou ficando com um peso considerável, e ainda ganhamos um queijo do homem que desatrelou a carroça, um presente por deixar sua filhinha montar e dar algumas voltas, a passo, segurando minha cintura. O presente maior, no entanto, não caberia em nossas mãos. Estava em meu coração e nos olhos de meu avô, e se multiplicou de várias formas quando voltamos ao acampamento com a comida que tínhamos comprado para a família.
Eu poderia falar mais, me estender em episódios alegres e tristes, contar que Thiers nunca pôde voltar a fazer acrobacia e como encontrei um mestre que me ensinou várias outras artes. Mas essa seria uma longa história. Assim, digo apenas que meu avô sempre estará presente, que posso vê-lo em cada fracasso e em cada vitória, em cada riso e cada aplauso do meu respeitável público.
Pois ele vive em mim, assim como eu viverei em meus aprendizes.
E o espetáculo nunca terá fim.

*****

Parte 1.

Que tal conhecer um descendente do Zemel, que inclusive leva o nome do seu avô, Thiers? É só clicar aqui.

Aqui no blog do Castelo vocês conhecem o futuro mestre do Zemel.

E... É isso, pessoal. Espero que tenham gostado dos saltimbancos de Athelgard!

Até breve, com mais novidades!

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

O Espetáculo Não Pode Parar (parte 1)

Este conto se passa em Athelgard, só que no País do Norte, ao passo que os personagens são gente do Leste. Mais precisamente do Povo Alto, originário de Pwilrie, que esteve muito tempo sob o domínio de outra cidade, fazendo com que boa parte dos habitantes originais partisse e se tornasse nômade. Muitos ganham a vida como artesãos, e também há vários saltimbancos, como a família deste conto.
Zemel, nosso pequeno herói, aparece em várias histórias, criança, jovem e adulto. Aqui ele conta um episódio de sua infância e uma valiosa lição que aprendeu com seu avô -- seu primeiro mestre. Espero que gostem!
O ilustrador deste conto é o talentosíssimo e polivalente Vilson Gonçalves.



Sempre que vejo um cavalo se assustar, eu me lembro do meu avô. Foi por causa de um susto desses que ele quebrou a perna, e isso acabou com seus dias de saltimbanco. Meio que acabou. Talvez, pensando bem, se possa dizer que não; que ele continuou, de certa forma, fazendo o que fazia desde criança e que começou a me ensinar quando eu não tinha mais que dois ou três anos.
Ah, não, os cavalos não; isso viria um pouco mais tarde. Acrobacia, para começar. Os saltos, o equilíbrio, a parada e o caminhar sobre as mãos, coisa que sempre fez sucesso e garantia algumas moedas nos nossos chapéus. Minha mãe costurava para mim uma roupa toda feita de retalhos, o mais colorida possível, me dava um beijo e alguma coisa para comer quando tínhamos, e lá íamos nós, eu e meu avô, para tentar a sorte nas aldeias e nas praças das cidades maiores. Lardale, Valence, Leighdale, até mesmo Siberlint, à sombra dos Penhascos Gelados: minha família passou por todas, e em todas fizemos espetáculos. De vez em quando visitávamos a aldeia onde nasci – num estábulo, vejam só, um estábulo vazio que conseguimos emprestado, porque fazia frio demais para podermos dormir nas tendas –, e então eu escutava mais uma vez a minha própria história, como minha mãe não tinha leite nem meu pai trabalho, como aqueles camponeses também muito pobres ajudaram nossa família e como, em agradecimento, me deram o nome da aldeia. É isso mesmo, senhoras e senhores: no País do Norte existe uma aldeiazinha chamada Zemel. Pequena e sem graça, assim como eu, e já passou por muitas guerras, invernos rigorosos e pragas do feno. Mas resiste. É o mesmo que eu espero que um dia se diga sobre mim.
E era assim também que eu pensava no meu avô. Por volta dos sessenta anos, ele era alto, cabelo e barba como neve, o corpo cheio de músculos, tendões e cicatrizes. Sempre tinha sido artista, primeiro em Pwilrie, sua cidade, e noutras terras do Leste, depois com o grupo que formou para percorrer o País do Norte, levando espetáculos de acrobacia, malabarismo, dança, música e pequenas peças de teatro. Suas filhas cresceram nas tendas desse grupo nômade, que aumentava e diminuía conforme as pessoas o deixavam ou se juntavam ao longo do caminho. Por fim, numa cidade arrasada pela guerra, minha mãe conheceu meu pai, que liderava seu próprio grupo de viajantes; um dos que estavam com ele agradou a minha tia, e meu avô, que era viúvo já fazia uns bons anos, acabou se despedindo dos velhos amigos para seguir em companhia das filhas e dos genros.
Uma renovação bem-vinda, todos dirão. Novas pessoas, novas ideias, novos números. Assim seria, se os genros também fossem saltimbancos.  Acontece que eram artesãos. E entre meu pai, o ferreiro que percorria as fazendas oferecendo seus serviços, e o marido de minha tia, que consertava panelas e as vendia no mercado, Thiers de Pwilrie demorou a ter um novo companheiro de espetáculos.
Em minhas memórias mais antigas, não estou brincando com as outras crianças do grupo, não estou observando o trabalho do meu pai na forja – como era exigido do meu irmão mais velho – nem com minha mãe, costurando e mexendo panelas, como minha irmã fazia desde pequena. Em vez disso, visto a tal roupa de retalhos e executo vários saltos, um dos quais me leva aos braços erguidos de meu avô. Eu apoio o topo da minha cabeça na sua, asa de corvo sobre campo de neve, e fico com as pernas no ar, eretas, abertas em tesoura, o que for preciso para manter o equilíbrio. Monto nos ombros dele para fazer malabarismo. E, em memórias mais recentes, fico de pé sobre o dorso de um cavalo, ainda sem saber muito mais do que me equilibrar durante o galope, mas o que faço já parece uma pequena proeza aos olhos dos camponeses. Ela os prepara para a exibição de Thiers, esse sim, um verdadeiro acrobata equestre, que gira sobre a sela, se apoia num pé só e sobre as mãos e arranca da plateia gritos e aplausos.
Eu me lembro de chapéus abarrotados de moedas, de camponeses pagando a diversão com ovos e repolhos, de rapazes aceitando o desafio de se manter em pé sobre a sela, o cavalo a passo lento, andando em círculos ao redor de meu avô, que segura a ponta do cabresto nas mãos. Lembro-me de meninos maiores que eu me olhando cheios de inveja. E, com mais clareza – porque eu já tinha idade suficiente, quase oito anos --, lembro-me de quando a inveja passou de todos os limites, e um grupo de garotos assustou o cavalo, enquanto alguém oculto pela multidão lhe atirava uma pedra.
Ainda guardo em minha memória cada som, cada cor, cada detalhe daquela cena. O animal empinou, um relincho de dor e de susto, o sangue escorrendo do focinho enquanto meu avô foi ao chão. Caiu de muito mau jeito, sobre a perna torcida, e não conseguiu se levantar nem para acalmar o cavalo, que saiu desembestado praça afora, nem para me resgatar do monte de gente que se precipitava sobre ele, passando por mim, tão pequeno e quase invisível diante daquela comoção. Por sorte, alguém deteve o cavalo e foi honesto o bastante para devolvê-lo, e um mercador robusto me viu chorando apavorado e me pegou no colo antes que a multidão me pisoteasse.
Entre gritos e exclamações de piedade, apareceu um cirurgião, que fez o possível para arrumar o osso quebrado na perna de Thiers. Não pediu nada pelo trabalho, assim como o fazendeiro que nos levou para o acampamento em sua carroça, mas, apesar de toda a ajuda que tivemos, eu não conseguia me esquecer dos risos e da zombaria que acompanharam a queda. Não foram só as pessoas que tramaram para derrubar meu avô. Muitas outras tinham achado graça, como se fosse engraçado um velho cair do cavalo e ficar gemendo no chão com a perna quebrada. Isso me machucou demais -- de certa forma, também me quebrou. E, por algum tempo, não fui capaz sequer de falar no assunto.
Nossos planos eram ficar na cidade por apenas mais um dia ou dois, mas, com meu avô sentindo tantas dores, prolongamos a estadia por quase dois quartos de lua. Com isso perdemos a data da feira de lã que haveria na cidade seguinte, e meu pai estava numa maré de azar: além de não encontrar os mercadores vindos para a feira, cujos cavalos poderiam precisar de ferraduras novas, não conseguiu trabalho nas fazendas e aldeias pelas quais passamos. Nosso dinheiro estava perigosamente no fim. Para complicar, minha mãe amamentava meu irmãozinho e minha tia estava grávida, demandando cuidados, isso sem falar em Thiers, que ainda estava usando talas e mal conseguia andar com a ajuda de uma muleta. Mesmo assim, quando acampamos perto de uma aldeia pequena, ele foi falar comigo, disse que eu devia tentar a sorte, fazer um pouco de malabarismo e acrobacia em troca de algo para comer. Foi o mesmo que falar com uma árvore.
-- Eu não vou mais, vovô – respondi, a cabeça baixa. Ele me olhou espantado, quis saber o motivo, ficou alguns instantes em silêncio quando respondi. Então, com voz e jeito mais duros do que eu esperava, disse que a vida era assim mesmo, às vezes você cai e se machuca; que alguns vão rir, mas outros podem ajudar, e que ter medo de fazer os espetáculos era o mesmo que ter medo da vida. Na hora não respondi, e acho que ele mesmo percebeu que tinha sido duro, porque logo depois me abraçou pelos ombros, daquele jeito companheiro, e disse que eu pensasse bem e que iríamos conversar de novo no dia seguinte.
E eu pensei, ou melhor, fiquei o resto do dia com aquilo na cabeça, me incomodando, me inquietando, me fazendo sentir pena e raiva de mim mesmo. Incomodou ainda mais quando vi meu pai carrancudo e preocupado, quando ouvi meu irmãozinho chorar, quando a refeição da noite foi uma sopa rala com raros pedacinhos de legumes. Por cima de tudo isso, eu via que meu avô me observava, seus olhos de falcão por baixo das sobrancelhas brancas, dizendo o que as palavras não precisavam dizer. E mesmo assim eu continuei calado no meu canto.
De manhãzinha, após uma noite sem sonhos, acordei ouvindo os roncos da minha própria barriga. Meu irmão dormia ao meu lado, a sono solto, mas meu avô não estava na tenda, e eu ia começar a estranhar quando ele entrou, a cara torcida de dor, apoiado num bastão de carvalho.
-- Então, Zemel? – sussurrou, para não acordar o neto mais velho. – Pensou melhor? Vai fazer o espetáculo?
-- Vovô, e-eu acho que... que ainda não sei...
-- Muito bem. – Respirou fundo: tomara uma decisão. – Vista-se, de qualquer jeito, e venha comigo. Vou precisar de sua ajuda.

***

Zemel é o herói do meu livro Pão e Arte, publicado pela Editora Escrita Fina, que depois foi comprada pela Zit. Pode ser encomendado em livrarias ou na Estante Virtual.

            Neste blog vocês conhecem o cara que viria a ser o futuro mestre do Zemel.




Parte 2.

segunda-feira, 17 de julho de 2017

O Eterno Retorno (Parte 3)

O fio de lã torcida estava disfarçado por folhas tão vermelhas como ele, mas mesmo assim visível a olhos atentos. Estava amarrado a um galho baixo, como um lembrete – um jeito de marcar uma trilha, de não se perder, como todas as crianças da tribo eram ensinadas desde cedo. Só que nenhuma criança da tribo, ao que ela se lembrava, usava aquele fio vermelho para amarrar as tranças ou costurar as roupas, a não ser aquela que Kyara conhecia tão bem.
Anna...! O que ela podia estar fazendo ali?
Como um mapa que brotasse da terra, os caminhos da floresta se desenharam na mente de Kyara. A trilha onde as crianças faziam coleta ficava longe, não se ligando, de forma alguma, ao Passo das Lebres. Anna teria visto alguma coisa que a assustou, fazendo-a fugir? E, se tivesse sido isso, por que não correra para junto da tribo e sim na direção oposta? E os outros – Tyshen, Lila, o pequeno Torak, que andava atrás de Tyshen e ecoava tudo que ele dizia – estariam com ela?
Aflita até os ossos, mas tentando manter a calma da qual tudo dependia, Kyara procurou os rastros dos pequenos pés calçados em mocassins. Nada: a chuva os tinha lavado, como lavara as pegadas deixadas pelo homem a partir dali. Ela se ergueu de novo, torcendo as tranças encharcadas, e tentou pensar. Anna talvez houvesse corrido sem ver para onde, mas depois se detivera para amarrar o fio, e isso era bom sinal: o que quer que a tivesse assustado acabara se distanciando, ao menos por algum tempo. Os outros também deviam estar bem, mas o provável é que estivessem todos perdidos, ou no mínimo confusos quanto às direções. Não costumavam vir para aqueles lados da floresta. Kyara caminhou ao redor da vereda, tentando achar mais sinais, e, não os encontrando, decidiu-se pelo caminho mais visível, o que ela teria seguido se fosse uma criança andando na chuva. O que mais poderia fazer?
Ajude-me, Lobo. A elfa se dirigiu ao Espírito que protegia sua Casa. Que Anna e os outros estejam em segurança, e que eu possa encontrá-los, ou que eles encontrem o caminho de volta. Sua voz era apenas um murmúrio, quase sumindo nas palavras finais ao se lembrar de como, anos atrás, ela fizera uma prece muito semelhante. Pedira ao Guardião que a ajudasse a achar o cervo que vinha rastreando, apesar da nevasca que a alcançara no caminho, apesar do cansaço de dois dias sem dormir e de estar fora do território da tribo. Em vez do cervo, porém, tinha encontrado aquela cabana, e nela estava Raymond de Pwilrie com seus olhos negros e belas mãos fortes. E dessa noite em diante sua vida nunca mais fora a mesma.
Kyara sacudiu a cabeça, espadanando água para os lados. Tinha de se concentrar no que importava, em achar Anna e as outras crianças e deixá-las a salvo antes de voltar a rastrear o caçador humano. A trilha que seguia, porém, era uma entre várias possíveis, e nada, a não ser sua intuição, garantia que fosse a certa. Ela se deteve, pensando em Lontra, que teria simpatia por uma avó em busca da neta, em Corvo, que mostrava novos caminhos, mas, acima de tudo, pensando sempre e ainda com mais força em Lobo. Precisava dele, e as crianças também, para que lhes desse coragem. Como elas deviam estar, pequenas, ainda inexperientes, perdidas em meio àquela chuva e com um homem andando pela floresta?
E de repente, como se o Guardião lhe desse um sinal, o som de uivos ecoou no ar. Ecoou por toda a floresta, rolando sobre as copas das árvores, mostrando-lhe a direção da qual provinha: o sudoeste, onde ficava a antiga trilha dos cervos, que a tribo usava muito pouco, mesmo quando ela era jovem. O caminho que a levara àquele encontro e a tudo que se seguiu. Kyara franziu a testa, sem acreditar que Lobo estivesse pedindo aquilo, e esperou um pouco, só para ouvir o som se repetindo ainda mais claro. Então, balançando a cabeça, rosnou uma imprecação para si mesma e marchou rumo ao lugar que preferiria não ter que ver de novo.
A chuva apertou por uns momentos, depois diminuiu, passando a cair mansamente sobre as árvores e a trilha. Kyara andava rápido, sem procurar por rastros, apenas seguindo os uivos que se repetiam de tempos em tempos. Aos poucos, embora tanto tempo houvesse decorrido, foi reconhecendo os marcos do caminho, pedras cobertas de limo antigo, árvores anciãs, uma nascente oculta entre arbustos onde os cervos se detinham para beber. Alguns, às vezes, ficavam presos ali pelas galhadas; ela ficara um pouco frustrada, da outra vez que passara ali, por não encontrar nenhum, embora soubesse que seria improvável um caçador da tribo chegar antes dos lobos e raposas. Agora, também, não havia sinal de cervos perto da nascente, nem pegadas de bota ou de mocassim, mas... o que eram aqueles rastros pesados, aquelas folhas amassadas ao redor dos arbustos? O que passara por ali havia apenas uns momentos, pelo que dizia sua experiência?
Um javali. Ela respirou fundo: nem precisava examinar o rastro, o cheiro dizia tudo. Um javali passara pela trilha, e devia ser um dos grandes. Kyara pegou a faca na bolsa de caça e foi naquela direção, as orelhas empinadas, atentas a qualquer ruído que pudesse indicar a presença do animal. Então, os lobos tornaram a uivar, e o estalo de gravetos partidos a fez olhar por cima do ombro, e todos os seus sentidos se aguçaram ao distinguir a mancha azul se movendo em meio às árvores.
-- Ei, você! Tenha cuidado! – gritou, sabendo, de alguma forma, que encontrara o dono das armadilhas e que ele estava em perigo. O homem se voltou, parecendo desorientado, e deu uns passos incertos em direção à elfa, deixando-a vislumbrar cabelos e barba brancos e um rosto vincado por inúmeras rugas. Ela arregalou os olhos, espantada -- e, no momento seguinte, um javali saiu do bosque de carvalhos à direita e partiu com toda a fúria para cima do caçador.
Kyara apertou a faca na mão e se precipitou sobre o animal. Não refletiu, não ponderou, apenas agiu. O velho correu, mas, ao contrário da elfa, era lento demais: o javali estava prestes a alcançá-lo quando Kyara saltou sobre ele empunhando a faca de caça. Pego de surpresa, o animal caiu, mas na mesma hora girou para o lado, quase conseguindo prendê-la sob o seu peso. Ao mesmo tempo, soltou um ronco forte e tentou mordê-la, uma das presas chegando a arranhar sua orelha antes que ela o golpeasse com força. Mirava o coração, e se o atingisse teria liquidado de uma vez o animal, mas a lâmina de obsidiana resvalou, indo se cravar num ponto mais abaixo. Então, antes mesmo que Kyara pensasse no próximo movimento, o som de alguém correndo pela relva molhada cresceu em seus ouvidos, e o javali berrou e estremeceu com o baque de um corpo, ainda que pequeno, se abatendo contra suas costas.
-- Minha faca, avó! Pegue! – gritou Anna, estendendo-a para ela pela lâmina. Era uma temeridade, mas Kyara não tinha tempo para pensar: agarrando o punho da faca, ela golpeou o peito exposto do animal, o metal forjado pelos homens entrando com facilidade, uma, duas, três vezes, enquanto em seu espírito ela pedia ao javali que a perdoasse. Não queria ter feito aquilo, mas não pudera deixá-lo atacar, talvez ferir de morte aquele homem velho, que jamais teria conseguido apanhá-lo num laço e que ele não iria usar como alimento. Kyara, por sua vez, honraria a morte do animal, aproveitando cada parte dele que pudesse para o sustento da tribo e cantando para que seu espírito seguisse em uma nova jornada. Era o dever de todo caçador da Floresta dos Teixos.
Mas isso – diante das circunstâncias – teria que esperar.
-- Você está bem? – Sua voz ecoou a de Anna, dois pares de olhos oblíquos arregalados, um preso dentro do outro enquanto elas se levantavam, ilesas, com as tranças encharcadas e as roupas sujas de lama.
-- Estou bem – respondeu Kyara, enquanto a menina apenas fazia que sim. – E os outros? Tyshen, Lila, Torak... Onde eles estão?
-- Voltaram para casa, levando as bagas e cogumelos. – Baixou a cabeça, as faces vermelhas. – Você disse que, se eu achasse a cabana sozinha...
-- Então foi isso que aconteceu? – Kyara a encarou, sem fôlego. – Você não se assustou com alguma coisa, com o javali, com... com ele?
Indicou com o queixo o velho caçador, que se encostara ao tronco de um carvalho e tremia da cabeça aos pés. Anna negou com um gesto. Ao contrário do homem, não parecia ter medo, apenas curiosidade e... sim, e uma certa empatia. É o povo dela, afinal, pensou Kyara, dolorosamente. Não se podia esconder uma verdade que saltava aos olhos.
-- Tudo bem. – Respirou fundo, passando sobre o corpo do javali e se acercando daquele homem trêmulo. – Depois você me explica tudo direitinho. Agora, vamos saber o que...
-- Não, por favor. Moça... – ele balbuciou, engolindo em seco. Kyara levou um dedo aos lábios, fazendo-o calar. Depois, olhou-o nos olhos.
-- Não sou nenhuma moça – resmungou. – Provavelmente sou mais velha do que você, se quer saber. Pegue essa faca que estou vendo no seu cinto e nos ajude com esse javali. Vamos pegar o que der para carregar e sair da chuva. Se as coisas forem como penso, estamos muito perto de onde poderemos secar as roupas e esquentar os ossos.
*****
Pouco mais tarde, com a carne assando na grelha da lareira e a chuva gotejando pelo teto da cabana arruinada, avó e neta ouviram a história do velho homem. Não era um caçador, trabalhara a vida toda como carpinteiro; não armava laço algum desde os tempos de garoto, o que o tornava semelhante àqueles que Kyara e Raymond poupavam à justiça dos nobres. Ele tentara de novo agora, pensando em pegar algum animal pequeno e se fortalecer para seguir viagem. Pois nunca pretendera ficar, explicou, e não havia por que supor que estivesse mentindo. Jamais quisera entrar no território da tribo, apenas cortava caminho pela floresta, querendo chegar logo em Lardale, onde tinha parentes. Uma viagem mais curta, que saíra de mais perto e terminaria antes – mas, nessa etapa, em tudo semelhante à que trouxera Raymond até a cabana.
A história provocou recordações tão doces quanto dolorosas, mas Kyara conseguiu deixá-las de lado por algum tempo. O velho enchera a barriga de carne e se deitara, coberto pela manta de pele que encontraram num canto, e a menina se aconchegara nos braços da avó, o fogo acabando de secar as roupas no corpo enquanto conversavam em voz baixa. Anna contou que não resistira à vontade de ver a cabana, que fazia uma boa ideia de onde era a trilha e se lembrara de marcar seu caminho para a volta. Num dado ponto do percurso, ouvira lobos, que a alertaram sobre a presença do caçador humano; ela subira numa árvore para não ser avistada e acompanhara lá de cima seus últimos movimentos, até que, para sua surpresa e aflição, visse surgirem quase ao mesmo tempo sua avó e o javali enfurecido.
-- Aí eu acho que esqueci o que você ensinou. Esqueci toda a prudência – admitiu, encolhendo os ombros. – Só queria que você não ficasse machucada. Mas você também nem pensou nisso, quando partiu para cima do javali, não é?
-- É. Não foi prudente, mesmo. E eu teria me machucado, acho, se não fosse sua ajuda. – Sorriu, apertando a menina contra si. – Você não devia ter feito o que fez. Nada do que fez, aliás, desde que se separou dos outros, e ainda vamos conversar melhor sobre isso. Mas se saiu muito melhor do que eu esperava.
-- Obrigada. Mas, avó – Anna parecia um pouco inquieta --, é assim que os homens ficam quando são velhos? O livro de Maryan mostra alguns de cabelo branco, e ela disse que era quando envelheciam, mas não me falou que ficavam desse jeito, fracos, com as pernas tremendo...
-- Ah, mas nem todos ficam. Seu avô, por exemplo. – Kyara se lembrou de uma onda de cabelo prateado, de um sorriso realçado pelos vincos de um rosto másculo e moreno, e se encheu de convicção. – Ele já era velho quando morreu, não tanto quanto esse aí, mas ainda era forte e ágil. Tanto que o levaram para ajudar a defender o castelo, ele morreu no alto da muralha, de arma na mão. E, além de forte, era bonito – segredou, movendo as sobrancelhas para que a neta risse. – Foi bonito até o fim, e eu o amei do mesmo jeito até o fim.
-- Eu sei, mas, avó... Eu também tenho sangue humano. Sou quase humana. – Levou as mãos às próprias faces, os olhos cheios de uma súbita angústia. – Será que eu vou ficar desse jeito? Eu posso ser como meu avô, mas também pode ser que...
-- Não! Escute bem, minha Anna. – Kyara pegou as mãos dela e as abaixou, olhando-a com um amor tão intenso que quase machucava. – É verdade, você é quase humana, mas isso não muda o que eu sempre lhe disse. Você é filha da nossa tribo, leal, inteligente, corajosa. Logo vai crescer e se tornar uma mulher forte e sábia. Não se preocupe com o futuro muito distante, se um dia vai ficar velha, se sua pele vai enrugar ou o cabelo ficar branco. Isso é apenas o lado de fora! Honre os Guardiões, cumpra seus deveres e, sempre que puder, alegre seu espírito e o faça dançar. E, lembre-se, haja o que houver, você é e sempre será uma de nós. Promete não esquecer?
Anna a encarou, o rosto muito sério, e fez que sim com a cabeça. Kyara tornou a abraçá-la, depois a soltou, pretextando ter que virar as tiras de carne sobre a grelha. Havia muito mais que poderia dizer, mas ela preferiu não se antecipar às perguntas, porque sabia que o tempo e a vida trariam as respostas necessárias. Por ora, bastava ficar ali, acalentando as memórias de Raymond, enquanto Anna, depois de alguns momentos a olhar fixamente para o fogo, respirava fundo, abria a bolsa de caça e confiava pensamentos, dúvidas e sonhos ao seu caderno.
Ali, naquela cabana onde se uniam as trilhas do passado e do futuro.
Ali, onde as sombras sussurravam que uma nova jornada em breve iria começar.

*****
E o conto chega ao fim! Espero que tenham gostado e deixem seu feedback,  ele é muito importante!!


Parte 1.
Parte 2.

Para quem gostou da Anna criança, sugiro o livro Anna e a Trilha Secreta, onde ela encontra os Espíritos Guardiões da Tribo.

Aqui no blog do Castelo você pode ler um conto em que a Anna é ainda mais novinha, centrado em Maryan e Zendak, clicando aqui.

Para um conto da Anna aos 14 anos aprendendo a caçar, cliquem  aqui.

E continuem com a gente. Em breve teremos outro conto, desta vez de uma dupla de avô e neto muito talentosos!