quinta-feira, 1 de junho de 2017

Além de Agora : um conto de Cyprien de Pwilrie (Parte 17)


       O prisioneiro havia gritado sem parar enquanto o traziam, mas, depois que o fizeram ajoelhar e o acorrentaram à roda, quedou-se num silêncio dócil e resignado. Eu estava numa das laterais do patíbulo, a melhor posição para o salto que planejava, e acabava de me colocar à distância ideal. Infelizmente, ela era tal que permitia que um sujeito baixinho se metesse na minha frente.
         -- Com licença, amigo. Podia se afastar um pouco? -- perguntei, e o homem franziu o cenho, como se não tivesse entendido. -- A sério, eu preciso desse espaço livre. Olhe, se for um pouquinho para a esquerda...
         -- Para a esquerda, não é? Ah, essa é boa! -- retrucou ele, de um jeito impertinente. -- Eu estou aqui, e aqui vou ficar! Quem você pensa que é, garoto, para passar à frente de um cidadão honesto?
          -- Eu,senhor? Oh, eu não sou nada. -- Inclinei-me, a raiva me ditando as palavras certas para sussurrar em seu ouvido. -- Sou apenas um pobre coitado do Labirinto. E sou um pouquinho doido. Quando vejo tanta gente junta, começo a me sentir sufocado, e então pego minha adaga -- está bem aqui, olhe --, e saio golpeando quem quer que esteja à minha frente. Se estou avisando o senhor, é por ter notado que é um homem de bem, que não gostaria de acabar seus dias dessa maneira... Ou será que gostaria?
          Isso com a minha expressão mais cândida, o que, em geral, dá mais resultado que uma cara ameaçadora. Não querendo discutir com um maluco, o homem murmurou qualquer coisa e se afastou, e eu pude mais uma vez refazer meus cálculos para o grande salto. Eu não podia me dar ao luxo de ser menos do que perfeito.
         -- Façam silêncio! Silêncio, vocês aí! -- puseram-se então a gritar os guardas e os arautos. Fiquei imediatamente alerta quando ouvi isso, porque, na maior parte das vezes, significava que o Prefeito ia fazer seu discurso. Era nesse momento que o meu plano devia ser posto em prática.
Olhei para os lençóis que pendiam da janela do sobrado. Naquele momento, ainda não se via nenhuma projeção, mas eu tinha certeza de que Nayla e Cassius estavam a postos. Os outros também deviam ter feito o melhor possível, espalhando a nossa mensagem até onde houvessem conseguido chegar. Era muito bom, em meio à tensão causada por aquele momento, saber que eu podia contar ao menos com meus amigos.
         -- Cidadãos de Pwilrie! -- soou a voz aguda e tão conhecida do Prefeito. Meu corpo estremeceu de alto a baixo quando ouvi o som. Agora, era tudo ou nada, pois eu estava decidido a não recuar. Apertei com força o frasco bem escondido entre meus dedos longos. Coragem, meu velho. Eu já estou indo. Por você, por mim e por cada um dos nossos.
         -- Ei, escute só -- disse a mulher à minha direita. -- Estão tocando a “Canção da Lua”, ou...
         -- Sim! Parece que sim -- respondeu alguém, quando eu acabava de reconhecer os acordes. No instante seguinte, por trás dos lençóis que cobriam a janela, os vultos de Cassius e Nayla começaram a se abraçar -- e meu coração bateu desenfreado quando a primeira exclamação se sobrepôs às palavras do Prefeito.
         -- Vejam! -- Era a voz de Aymon, o que me fez morder os lábios, imaginando que podíamos estar sozinhos. -- Há alguém nas ruínas do sobrado, e... Puxa! Parece que é uma dupla das mais animadas!
          -- É mesmo! -- comentaram algumas vozes aqui e ali. Ao meu redor, as pessoas começaram a voltar a cabeça, um tanto distraídas no início, depois com uma curiosidade que aumentava à medida em que o casal parecia se entusiasmar. Provavelmente os dois já vinham escondendo alguma coisa de Thierry, pois o que se via podia parecer tudo, menos um fingimento. A menos que eles fossem os melhores atores já surgidos nesta cidade de saltimbancos. De qualquer forma, senti-me aliviado por não ser Tina a oferecer o espetáculo, ao mesmo tempo em que lamentava não lhe haver pedido para ficar perto de mim. Onde ela estava agora? Onde estaria, e o que faria, quando eu executasse o meu salto? Onde estavam as pessoas que deveriam distrair os guardas?
         -- Ei, olhem! -- gritou de repente alguém, a plenos pulmões, não longe do patíbulo. -- Acho que a moça vai tirar a blusa!
         -- Vai ser ali mesmo! -- ajuntou um artesão do Labirinto.
          -- Que desavergonhada! -- protestou uma velha, que eu vira muitas vezes conversando com Olivier. Outras exclamações se seguiram a essas, sempre em tom bem alto, como se as pessoas que falavam quisessem realmente chamar a atenção. Senti meu peito se aquecer à vibração das vozes amigas. Eu não deveria ter duvidado de que viriam em minha ajuda.

Parte 1
Parte 16
Parte 18


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